Leito de rúculas

Leito de rúculas

Como funciona o nosso cérebro?

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      As nossas escolhas para desespero de economistas e cientistas políticos raramente são racionais. Freud falou em inconsciente. A neurociência atual refere-se a roteiros automáticos e outros termos para indicar que forças não conscientes costumam tomar o nosso volante. Um livro interessante sobre isso, que me foi presenteado pelo amigo Alcides Stumpf, é “Subliminar, como o inconsciente influencia nossas vidas”, de Leonard Mlodinow, cientista norte-americano de renome internacional. Michel Maffesoli não se cansa de mostrar que a ideia de um sujeito consciente, racional e autônomo é a principal ilusão da modernidade.

      O livro de Mlodinow pode ser muito interessante para apimentar festas em casa. Reúna os amigos, sirva uma primeira rodada de vinho e despudoramente diga que a garrafa custou R$ 500. Em seguida, peça a avaliação de cada um dos convidados. A possibilidade de aprovação é enorme. Não é de duvidar que os aplausos sejam ditirâmbicos e que apareçam expressões sobre o aveludado do líquido e o perfume de pinheiro na primavera. Feito isso, sirva nova rodada e diga que o preço desse segundo vinho foi de R$ 50. A aprovação certamente será menor e mais tímida.

      Como são amigos eles não romperão relações quando souberem que foram enganados. Os dois vinhos eram o mesmo. É o chamado “preço do gosto”. O mesmo vale para a maneira de apresentar certos pratos. Uma coisa é dizer que se vai servir beterraba com rúcula e bem outra é anunciar “beterrabas grelhadas sobre leito de rúculas”. A gourmetização explora a nossa tendência para o enfeite. Leito de rúculas faz muita gente salivar. Assim como “mélange de verduras locais” ou “tomates secos com folhas verdes”. O leitor mais áspero dirá: gostamos de ser enganados. Adoramos um marketing. Talvez. Outra perspectiva é a de especular sobre os caminhos que levam à nossa mente. O que nos estimula? Por quê? Que imagens nos impressionam.

      Um teste divertido é da Coca-Cola versus Pepsi. Pergunte aos convidados o que eles preferem: Coca ou Pepsi? A maioria deverá dizer Coca. Então sirva duas rodadas de refrigerantes. Refri 1 e refri 2. Depois, pergunte de qual cada um mais gostou. A reposta poderá ser o refri 1. Peça desculpas e anuncie que o refri 1 era Pepsi. Esse exercício já foi feito várias vezes e os apaixonados por Coca escolheram Pepsi no teste cego. Conclusão: nossa percepção do gosto não é tão segura assim. Confundimos, misturamos, não temos parâmetros firmes. É bem provável que acreditemos mais na força das marcas e no que elas nos contam todos os dias sobre as suas qualidades, virtudes e posição no mundo dos negócios.

Processos mentais – O nosso cérebro processa informações eliminando excessos para conseguir acumular mais coisas. É como quando a gente ajusta o tamanho de uma imagem a ser enviada por e-mail, diminuindo a resolução, para ela ficar mais leve. Funciona. Só que, vez ou outra, surgem estranhas confusões. Venho muito a São Miguel dos Milagres. Conheço bem o lugar. Neste ano, fiquei procurando uma casa amarela cercada de pedras na tentativa de segurar o avanço do mar. Ela fica à esquerda das pousadas onde me hospedo. Na minha lembrança, logo depois do vilarejo de Porto da Rua. Tomei um choque: a casa havia desaparecido. Como a maré estava baixa, a confusão foi maior. Cláudia tinha a mesma lembrança e o mesmo choque.

      A casa, porém, fica em Maragogi. Como foi possível que nós dois tivéssemos a mesma lembrança, com as mesmas referências e os mesmos enganos? Não tenho a resposta. Mlodinow relato casos de vítimas que, na hora de reconhecer o agressor, mesmo quando puderam observá-lo demoradamente, confundem-no com outro, especialmente se o autor da agressão não estiver no grupo a ser examinado para identificação. Outro teste divertido é o de simular uma cena e pedir para que as pessoas a descrevem. Por um exemplo, um homem entra numa sala e provoca uma discussão. É possível que alguém descreva o chapéu que ele não usava.

      A nossa mente não é confiável. Edgar Morin relatou o que viu num acidente de trânsito. Segundo ele, um caminhão atropelou uma mota. Na verdade, a moto havia batido na traseira do caminhão. Como ele se confundiu? A sua hipótese é que o seu imaginário tenha automaticamente tentado favorecer o pequeno em relação ao grande. Mistérios, enigmas, desafios que a ciência vai desvendando aos poucos. Algumas descobertas podem servir para dar explicações em casa. Segundo Mlodinow, “homens com menos receptores de vasopressina apresentam duas vezes mais probabilidades de desenvolver problemas conjugais ou de se divorciar, e metade da probabilidade de se casar, que os homens com mais receptores de vasopressina”. Eis um bom indicativo: faça o teste da vasopressina.

      Será que a ciência vai nos decifrar totalmente? Será que isso é bom? Não vai ficar muito chato? Teremos câmeras dentro de nós espionando cada um dos nossos barulhos, gestos e pensamentos? Como ficará o voto secreto no Senado quando todos os nossos segredos estiverem mapeados? O que poderá o ministro Toffoli fazer para tentar manter o jogo escondido? Não sei.


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