Mãe é mãe

Mãe é mãe

Dia de render homenagem a quem dá à luz, cria, ama

publicidade

      Eu amo a minha mãe. Quem não ama a sua? Até os piores bandidos costumam amar a mãe. Todo dia é dia de pensar na mãe. Dia das Mães, portanto, além de ser uma data comercial e de homenagem, é um salto triplo. Momento de amar a mãe em três dimensões: singular, cultural e universal. Cada um ama a sua mãe. Juntos, amamos todas as mães. Em cada lugar, expressamos uma percepção cultural da maternidade. Nestes tempos de quarentena, eu penso em todas as mães enclausuradas, A minha mãe, por exemplo, Dona Eneida, 80 anos, sente saudades dos seus passeios, das suas saídas pela cidade, Santana do Livramento, das suas viagens. Ela tem o seu pátio e o seu jardim. Mesmo assim, sente-se sufocada.

      Quando, enfim, puder encontrar a minha mãe, findo o isolamento, quero abraçá-la como nunca fiz antes. Sempre fui contido, discreto, tímido. Mães normalmente são guerreiras. Fazem muito com pouco. Estava pensando neste confinamento: minha mãe tem vivido para a família. Tudo pelos filhos, pelos netos, pelos sobrinhos, pela memória do meu pai. Olho em torno e vejo tantas mães assim. Não pense o leitor que ouvirá da minha mãe uma queixa em relação ao que vida lhe proporcionou. Ela se mostra feliz. Outro dia, falei para um amigo que não quer sobrecarregar o filho na velhice: sou defensor do modelo tradicional pelo qual os pais cuidam dos filhos, que cuidam dos pais. Há maneiras novas de cuidar. Não discuto nem julgo. Quando penso nos imensos sacrifícios que meus pais fizeram por nós – uma dona de casa e um cabo da Brigada Militar com setes filhos –, digo que minha mãe merece tudo de nossa parte. Todo ano escrevo algo assim. É meu ritual de reconhecimento.

      Antropólogos sabem como poucos sobre o valor da família na estruturação social. A obra-prima de Gilberto Freyre, “Casa Grande & Senzala, é um estudo sobre a família como pilar da cultura brasileira. O francês Claude Lévi-Strauss, um dos maiores antropólogos da história, que viveu no Brasil, lecionou na Universidade de São Paulo e pesquisou algumas das culturas indígenas, cravou: “O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que, na humanidade, uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem outros laços para além dos consanguíneos e que o processo natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social da afinidade”.

      Família e sociedade são termos redundantes. O amor de mãe é natural ou cultural? Instintivo ou construído? Elisabeth Badinter, em “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, garante que o amor materno varia de cultura para cultura. Certamente. Mas, deixado livre, flui como um rio. Gosto de ver nas ruas – quase escrevi gostava de ver – as trocas entre mães e filhos. Vez ou outra, tem briga. Em geral, tem carinho. Mãe gosta de afagar, de acariciar, de acalentar. Os filhos, de várias idades e tamanhos, vão arrulhando como passarinhos. É comovente.

      Mario Quintana definiu mãe com precisão e a devida grandeza: “São três letras apenas,/As desse nome bendito:/Três letrinhas, nada mais…/E nelas cabe o infinito/E palavra tão pequena/Confessam mesmo os ateus/És do tamanho do céu/E apenas menor do que Deus!” A literatura é farta em odes às mães. Nem tudo é bonito. Quando não é, deixo de lado. Eu quero a beleza do amor materno, a força dessas mulheres amorosas, a coragem dessas sonhadoras, a entrega dessas lutadoras. Mãe é mãe. Sempre se pode contar com elas. A mãe é vínculo entre a família e a sociedade.

      Evidentemente que ser mãe em 2020 não é o mesmo que ser mãe em 1890. A mãe atual retomou ou conquistou direitos secularmente sonegados pelos homens. Ser mulher, amante, profissional e tudo mais que deseje não altera o que quer que seja em sua “maternalidade”. Ser mãe não coloca uma mulher numa redoma de vidro nem anula as suas fantasias. O caminho ainda será longo até a liberdade plena. Em dia das mães vale lembrar que o Brasil é um país de feminicídios e que obviamente toda mãe é antes de tudo uma mulher. Um bom presente para as mães, categoria universal, seria o fim do machismo. Precisamos mudar de imaginário.

      Assim como aplaudimos das nossas janelas, com justiça, os bravos profissionais da saúde que se expõem na linha de frente nestes tempos de coronavírus, seria o caso de, neste domingo, batermos palmas de nossa varandas e janelas para todas as mães. Como não posso ir a Livramento, telefonarei para a minha. Sei que ela está muito bem cuidada por minhas irmãs, que também são mães amorosas. A vida segue o seu ciclo. Mãe é mãe. Sem elas nada acontece. São elas que nos banham de amor desde o primeiro dia. Se alguém disser que estou sendo piegas, só posso dizer que se trata de um filho desalmado. Repito: mãe é mãe.

      Não é, Carlos Drummond de Andrade? “Mãe não tem limite,/é tempo sem hora,/luz que não apaga/quando sopra o vento/e chuva desaba,/veludo escondido/na pele enrugada,/água pura,/ar puro,/puro pensamento”.

 

 

     

 

 

     


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895