Marcas de um tempo que deseja justiça sumária

Marcas de um tempo que deseja justiça sumária

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Vivemos um tempo estranho. Nunca se teve tanta informação circulando, tanta possibilidade técnica de expressão, tanta gente participando da chamada "Esfera Pública". Cada um é dono do seu meio de comunicação, da sua mídia, o twitter, etc.

Todo pode ser discutido num país como o Brasil.

Paradoxalmente a transparência é limitada. Muitos querem soluções moralistas. O moralismo é o efeito perverso da moral, o anseio por imposições categóricas, indiscutíveis, imperativas, impositivas, uma camisa-de-força de valores dogmáticos.

Vivemos, contudo, numa sociedade pluralista.

Na Bolívia, os moradores de uma pequena cidade lincharam brasileiros que mataram bolivianos.

É a justiça sumária, o linchamento, a execução.

Não falta quem, no anseio por justiça mais rápida e eficaz, defenda a eliminação de alguns elos da cadeia judicial.

Para que tantos recursos?

Para que exigir provas materiais?

Por que tantos cuidados e melindres?

No caso do mensalão, ideologia e política misturam-se para exigir saltos no processo.

Eu gostaria de ver todos os mensaleiros condenados.

Com provas.

Os juristas dividem-se em muitos grupos.

Há uma categoria chamada de garantistas.

São os que se preocupam, antes de tudo, com as garantias individuais.

Só julgam de acordo com o que está nos autos.

Não aceitam provas colhidas ilicitamente.

Na briga entre direita e esquerda que envolve o julgamento do mensalão, parte da esquerda tapa o sol com a peneira e faz de conta que nada aconteceu de anormal, de ilícito, de imoral, de incorreto, de condenável, de espúrio, de repugnante.

Parte da direita, por seu turno, faz longos discursos sobre corrupção, como se só existisse corrupção de esquerda, desejando, na verdade, condenação a qualquer custo. É gente que está muito pouco preocupada com corrupção, tendo como foco a ideologia. São aqueles que querem condenar, não os mensaleiros, mas o PT, não por seus graves defeitos, mas por seus poucos acertos.

Não se pode linchar um assassino.

Não se pode condenar sem provas.

A fase de apresentação das defesas dos acusados do mensalão termina hoje.

Os ministros começarão a votar.

Precisam votar tecnicamente, infensos ao chamado clamor das ruas, alheios à pressão da mídia, que se dividiu claramente em dois grupos: a mídia petista, cujo objetivo é minimizar os fatos, e a mídia conservadora e antipetista, rotulada de PIG, capitaneada pela revista Veja, disposta a tudo para condenar o PT, não só os mensaleiros, com ou sem provas

Para esse setor a prova tornou-se um detalhe, um obstáculo, uma chateação.

Será que o STF vai agir como justiça sumária?

Ou vai ter tranquilidade para demonstrar a existência de provas?

O grande espetáculo começa agora.

Condenar sem provas é ceder à tentação midiática e ideológica.

O STF é um tribunal político, mas nada o impede de adotar um comportamento técnico.

O trabalho dos ministros consiste em mostrar se há ou não provas consistentes.

Se houver, cadeia para todos.

Se não houver, contrariando ventos e marés, absolvição.

Uma justiça que condena sem provas não dá exemplos de moralização.

Dá mostras de que aceita flexibilizar o Estado de Direito.

Condenar sem provas é queimar vivo.

Eu torço para que haja provas.

Quando, porém, o Procurador-Geral da República, o acusador, diz que o  "chefe da quadrilha", não deixou rastros, pela natureza do crime, eu fico dubitativo, perplexo, de queixo caído, sorumbático, cabisbaixo, arrasado.

Seria o crime perfeito?

Como provar que alguém cometeu o crime perfeito?

Ou será que o crime só é perfeito por falta de perfeição na construção da prova?

Quase nunca se pode fugir totalmente à subjetividade.

A velha pergunta do cético, o que prova que uma prova é uma boa prova?, terá resposta.

A resposta dos ministros do STF.

Houve mensalão?

Os ministros decidirão se sim ou não.

Há provas?

Os ministros decidirão se sim ou não.

Um hipercético perguntaria: se for assim, não ficará provado que não há prova?

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