Melhores e piores em 2021

Melhores e piores em 2021

Uma lista muito particular

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      Faz parte das obrigações de um cronista. Não fugirei aos meus deveres. Apresentarei a seguir algumas listas de melhores e piores de 2021. Fazer listas é assumir poderes extraordinários, demiúrgicos, se me faço entender. Por que não faria? Pode-se decretar o sucesso ou o insucesso de alguém com uma simples alteração de posição. Os fatos, porém, costumam não se importar com as escolhas feitas por A ou B. A maioria dessas listas segue um padrão comercial: o que faz sucesso é bom; o que é bom faz sucesso. Logo, entra na lista. Na literatura, se sai pelas editoras Companhia das Letras e Todavia é bom; se é bom, sai pela Companhia das Letras e pela Todavia. Não, não é inveja, embora pudesse ser, pois a inveja está ao alcance de todos. É uma observação judiciosa sobre o funcionamento da indústria do livro. O consumidor de bens culturais é como qualquer outro. Tende a gostar de marcas.

      Piores do ano num mix de coisas e acontecimentos, algo como tomates secos e folhas verdes: 1) o time do Internacional (só superado por Chapecoense, Sport, Bahia, Grêmio, Juventude, São Paulo, Athletico e Cuiabá). É muito time? O Inter chegou a me parecer pior do que todos esses no quesito reversão de expectativa. Na reta final, como se diz no popular, não jogou nada. Pivicas (para ser moderno) 2) O vira-latismo de parte da chamada crônica esportiva. Nunca se foi tão vira-lata na história do futebol brasileiro. Chegou a ficar assim: se é estrangeiro é bom; se é bom é estrangeiro. Qualquer ressalva era rotulada de xenofobia. O velho Cuca, porém, deitou e rolou. Ganhou o Brasileiro, mais difícil do que a Libertadores da América, e a Copa do Brasil. 3) A era do TikTok: curto, engraçado, besteirol, chato.

      Os dez melhores livros que li (reli) em 2021 por me manter isolado em casa. 1) “Guerra e paz”, de Tolstói. 2) “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. 3) “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto. 4) “Ulisses”, de Joyce. 5) “Ficciones”, de Jorge Luís Borges. 6) “Ensaios”, de Michel de Montaigne. 7) “Tristes Trópicos”, de Claude Lévi-Strauss. 7) “Dialética do esclarecimento”, de Theodor Adorno e Max Horkheimer. 8) “A metamorfose”, de Franz Kafka. 9) “Obra poética completa”, de Cesar Vallejo. 10) “Partículas elementares”, de Michel Houellebecq. Serei categórico: o romance dos séculos XX e XXI não molha a pena dos romancistas do século XIX. Ainda está para nascer um novo Tolstói. O bom observador é claro que notou: eu quase só leio coisas velhas.

      As cinco melhores séries em streaming que vi nestes meses de tédio e reflexão: 1) “Maid” 2) “Godless” 3) “Round 6” 4) “A cozinheira de Castamar” 5) “Nada ortodoxa”. Quem não viu essas séries está em dívida consigo mesmo. Melhor aproveitar o verão para se recuperar. Não quero perder tempo dando dicas que não sejam seguidas. Afinal, sou superocupado. Quando tem futebol na tevê. Todo mundo viu “Round 6”. Valeu! Matou bem o tempo e os personagens. Só que toma um banho de “Maid” e “Godless”. Não darei spoiler. Hahaha! Cada autor deveria fazer como Machado de Assis, o escritor que se blindou contra o spoiler. Capitu traiu ou não? Ninguém tem o final para contar.

Lives e músicas – Não apresentarei a lista das piores lives por falta de um aplicativo para organizar o desastre. As melhores músicas que ouvi em 2021 são: 1) “Años”, com Mercedes Sosa 2) “Bela, bela”, com Milton Nascimento 3) “Eu te amo”, Chico Buarque 4) “Um rio que passou em minha vida”, Paulinho da Viola 5) “Corsário”, com Elis Regina 6) Apesar de você, Chico Buarque 7) “Dom de iludir”, Caetano Veloso 8) “Vapor barato”, com Gal Costa 9) “Esses moços”, Lupicínio Rodrigues 10) Que reste-t-il de nos amours”, Charles Trenet. De resto, ouvi as sonatas de Beethoven e andei na Redenção sonhando com a infância.

      As melhores imagens que contemplei em 2021: 1) Uma foto de Palomas quando a BR-158, com sua capa de asfalto, ainda não existia e tudo era natureza intocada e telúrica 2) o céu recortado por barras vermelhas e alaranjadas, como uma pintura abstrata, sobre o Guaíba, a partir da minha janela num crepúsculo de solidão e Bossa Nova 3) O verde fresco da Redenção numa manhã depois da chuva 4) Uma criança correndo atrás de uma bola vermelha num parquinho quase deserto 5) O olhar azul de um cão esperando a dona, de uns dez anos, do outro lado da rua 6) Uma foto de Janis Joplin antes da fama 7) a mais velha e piegas das imagens de cronista: o passarinho pousado na janela 8) Barcos balançando sobre as ondas de um mar que não vejo há quase dois anos 9) O abraço que não podia ser dado entre uma mãe e uma filha no meio da rua 10) o meu olhar no espelho sempre sorrindo para a vida.

      Não farei a lista dos melhores e piores políticos de 2021 por falta de espaço. Cada um pode fazer a sua sem muita dificuldade. Não é preciso lembrar que todas as listas são arbitrárias e intransferíveis.


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