Meus monstros mais íntimos

Meus monstros mais íntimos

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Sou como todo mundo um poço sem fundo no fundo do qual habitam monstros de todos os tipos. Há um monstro irascível que me acorda no meio da noite para pedir explicações sobre o passado e previsões para o futuro. Outro monstro solerte me espreita e se deleita com meus erros. São tantos os meus monstros que chego a temer pela minha integridade corporal. Há monstros terríveis e imaginários que se manifestam por sintomas físicos. Um monstro me acelera o coração. Outro monstro me faz roncar a barriga. Quando todos se reúnem, numa orquestra de sinais tão familiares quanto misteriosos, eu me sinto perdendo o chão sem ganhar as nuvens, afundando os pés no concreto das especulações.

Há quem se acostume com seus monstros como eu me habituei à mosca volante que mora no meu olho direito. Eu, em todo caso, convivo com meus monstros numa relação conflituosa. Acontece-me de odiá-los. Gosto quando se retiram e passam semanas sem fazer barulho. Chego a pensar que se foram para sempre. Então, inesperadamente, eles retornam com a costumeira familiaridade. Quem não tem os seus monstros? Um monstro solene me exige compostura e elegância. Outro, debochado, quer que eu seja mais espontâneo e relaxado. Um terceiro, memorioso, enumera as oportunidades que perdi na vida. Um quarto, industrioso, me soterra com montanhas de trabalho sob a promessa de realização total.

O homem é ele e seus monstros mais íntimos e perturbadores. Meus monstros não me poupam nem me preservam. Se me descuido, exibem minhas vísceras em praça pública. Se adormeço, me despem e se escondem. Os monstros mais terríveis que nos habitam são velhos conhecidos de todos: a inveja, o ressentimento, a cobiça, o despeito, a amargura, o desencanto, a ira. Há, porém, outros monstros, aparentemente mais particulares, que, na verdade, multiplicam-se por toda parte como vírus malditos. Não sabemos de onde surgem. Ignoramos suas causas. Instalam-se e rugem. O monstro da hipermodernidade é a depressão que se levanta como um animal voraz a cada urro.

Um dos mais antigos e incontroláveis monstros da humanidade é o desejo. Filósofos conceberam sistemas ou modos de vida para sufocar, amordaçar, controlar, levar o desejo pelo cabresto. Nenhum atingiu plenamente o seu objetivo. Há quem seja dominado pelo desejo de poder, de fama, de sexo, de dinheiro, de intensidade, de existência, de reconhecimento, de aplauso. Pensadores ditos céticos, epicuristas e estoicos tentaram atingir o estágio da chamada ataraxia: o domínio das paixões, a suspensão dos desejos, a eliminação das perturbações, a tranquilidade absoluta da alma, a paz. Eu busco isso. Mas meus monstros se rebelam, organizam-se em bandos e me tomam de assalto.

Travamos batalhas, épicos entre quatro paredes, guerras à flor da pele, combates entre a razão e a emoção. Procuro cercá-los. Eles me atacam em emboscadas fatais. São guerrilheiros temíveis. Uso armas de dissuasão. Eles reagem com mísseis fabricados clandestinamente. Cada ser humano tem os seus monstros, que os tornam mais humanos e ao mesmo profundamente misteriosos. De onde vem as nossas obsessões? Desse poço sem fundo que nos afunda em vertigens, delírios, fantasias e sonhos.

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