Militares escaparão da guilhotina?

Militares escaparão da guilhotina?

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Perder direitos

 Vivemos uma época de frases. Durante muito tempo, uma frase de Dilma Rousseff sobre estocar vento liderou o ranking do absurdo oficial na visão dos seus opositores em busca de uma tempestade perfeita. Veio o governo de Jair Bolsonaro e parece que se implantou uma fábrica de frases prontas para viver memes na internet. O gaúcho Onyx Lorenzoni arrancou o primeiro lugar com um tiro pela culatra: “A gente vê criança pequena botar o dedo dentro do liquidificador e ligar o liquidificador e perder o dedinho. Então, nós vamos proibir os liquidificadores? Não. É uma questão de educação, é uma questão de orientação. No caso da arma, é a mesma coisa”. Há forte concorrência entre os novos ministros pela pior frase.

O comandante do Exército, Edson Pujol, em resposta a jornalistas que lhe perguntaram sobre a recusa de militares em participar da reforma da Previdência de Paulo Guedes, foi certeiro: “Você aceitaria a retirada de algum direito?” Justamente, general, concordamos. Se os militares não aceitam perder direitos, nós, humildes trabalhadores civis, também não. Ainda mais que não contribuímos com 7,5% dos nossos salários para a Previdência, nem nos aposentamos, nós da iniciativa privada, com 45 anos de idade e tampouco saímos da ativa com salário integral. Temos profissões muito parecidas com a de militares. Li que um soldado não é o mesmo aos 65 anos de idade. Um pedreiro também não. O tempo acaba com o vigor físico. Um pedreiro tem uma utilidade social superior a de um general num país sem guerras.

Os militares querem preservar seus “direitos” e ter a garantia de que na velhice receberão seus proventos do Estado, sem o risco de um naufrágio de investimento numa aposentadoria por capitalização. Pensamos a mesma coisa. O capital não gosta de riscos. Foge de países inseguros. Nós, em se tratando de aposentadoria, somos como o capital. Queremos garantias. Não é do nosso interesse ficar à mercê de bancos, de taxas de juro e de apostas num mercado volátil e voraz. Para nós, aposentadoria é solidariedade. Achamos que fica muito bem custear as aposentadorias com três fontes: contribuições do empregado, do empregador e do Estado, ou seja, de todos nós por meios de taxas e impostos.

Assim todos se ajudam.

Temos incrivelmente um ponto em comum com o banqueiro Paulo Guedes: precisamos de uma idade mínima para a aposentadoria. Afinal, a maioria das democracias desenvolvidas economicamente tem uma e estamos vivendo mais, ainda que não necessariamente melhor num país de tanta desigualdade. Resta saber qual idade mínima. O dispositivo 86/96, que depois seria 87/97 e assim sucessivamente, já impede extravagâncias. Funcionários públicos têm idade mínima. O objetivo deste texto é simples: elogiar o general Pujol pela afirmação, que deverá ser a bandeira de muita gente nos próximos meses. O presidente em exercício, general Mourão, joga no meio-campo. Aceita que militares contribuam por 35 anos e paguem 11%. É um avanço. Mas Jair Bolsonaro já anunciou que os militares ficarão de fora da primeira etapa da reforma. Ou seja, escaparão da guilhotina. O que se poderia esperar de um governo civil-militar eleito?

Perder direitos, não!

Abrir mãos de privilégios em relação aos demais, por que não?

A ideia de Paulo Guedes é cristalina: não dá para pagar boas aposentadorias a todos. É justo, por consequência, ferrar todo mundo? Como refutar essa lógica cartesiana? Os bancos esfregam as mãos. Vão ganhar muito em cima da massa.

 

 

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