Milton e Mills, dois pensadores livres

Milton e Mills, dois pensadores livres

Em nome da liberdade de expressão

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      Estou cada vez mais anacrônico. Ou seja, ultrapassado. Não vejo sentido em nota de R$ 200. Nem em reforma tributária para aumentar impostos dissimuladamente. Só penso em autores, livros, ideias e debates. Acredito na obrigação de imparcialidade dos juízes e na possibilidade cognitiva de isenção de qualquer ser humano que, por alguma razão, assim o deseje, inclusive os jornalistas. É difícil e talvez nem sempre conveniente. O jornalista de opinião precisa ser independente. Em tempos de quarentena, sugiro a leitura de dois autores de passados distantes: o liberal John Suart Mill (1806-1873), autor do incontornável “Sobre a liberdade”, e o poeta republicano John Milton (1608-1674), de “Paraíso perdido” e “Aeropagítica”. Pronto.

      Milton fazia tudo que admiro: polemizava, poetizava e defendia a liberdade de expressão acima de tudo. Em tempos de tentação de censura prévia, os escritos dele soam como uma provocação, quase também um anacronismo, algo que começa a ter aroma de nostalgia. No seu tempo, Milton fez tudo que não devia: criticou a monarquia, casou-se três vezes, atacou os donos do poder, defendeu o pensamento crítico e viveu como achava melhor. Ao menos, tentou. Foi preso e perdoado. Não se arrependeu das suas ousadias. Viajou, estudou, divertiu-se e lutou pelas suas ideias. Ficou cego e pobre. Não viu nisso um castigo.

John Stuart Mill acreditava na força da argumentação racional e na importância do contraditório. Escreveu isto: “A principal vantagem da verdade consiste em: quando uma opinião é verdadeira, pode-se sufocá-la uma vez, duas vezes ou mais, mas ela sempre ressurge no corpo da história e acaba por se impor a uma época”. O que ele diria nestes tempos de fake news e do Supremo Federal com vontade de ser o “editor” da sociedade, conforme declarou o presidente do STF, o sempre negativamente surpreendente ministro Dias Toffoli? Ainda somos racionais? Ainda acreditamos na argumentação? Vamos impor a censura prévia “democrática”? Só tenho perguntas. É incrível como me faltam respostas. Por isso, leio Milton e Stuart Mill. Quero aprender algo.

Milton tinha, digamos assim, a ingenuidade do seu tempo, que, na verdade, era cruel e pouco dado a moderações. Cabeças rolavam, que o diga o rei Carlos I, decapitado. Milton apostava na inteligência: “Onde há uma grande vontade de aprender, haverá necessariamente muita discussão, muita escrita, muitas opiniões; pois as opiniões de homens bons são apenas conhecimento em bruto”. Quem são os homens bons? Mill já estava mais calejado em perspectivas: “É melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser um Sócrates insatisfeito que um tolo satisfeito; e, se o tolo ou o porco tem uma opinião distinta, é porque eles só conhecem o seu próprio lado da questão”. Cada um com direito a apresentar o seu ponto de vista.

Estou cada vez mais entranhado no passado. É onde enxergo alguma luz para o futuro. Ou, ao menos, boas distrações durante o isolamento. Avante, humanidade, um passo atrás para dar dois passos à frente.


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