“Não vai acabar até realmente acabar"

“Não vai acabar até realmente acabar"

Pandemia não tem fim previsível

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Há frases que mesmo sendo redundantes dizem muito. Parece que, de repente, a linguagem diz mais com quase nada. O presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, ao saber da retomada das contaminações em Seul, declarou:  “Não vai acabar até realmente acabar". Os críticos viram nessa afirmação uma platitude. Os mais atentos perceberam uma confissão de desespero e de impotência. Outros, mais distanciados, saudaram o seu realismo. O vírus não vai desaparecer de um minuto para outro. Se não for combatido com vacina ou remédios, permanecerá por aí enquanto tiver hospedeiro disponível. O isolamento protege pessoas, achata a curva de contaminação, evita que o sistema de saúde fique congestionado, mas não mata o inimigo invisível, que se espalha ao menor sinal de aglomeração.

Talvez a grande aposta dos países tenha mesmo a ver com os projetos de vacina em andamento. Dá para imaginar o G-20 reunido com os principais cientistas do mundo para a discussão de um ponto crucial:

– Quanto tempo vocês precisam para disponibilizar uma vacina?

– Um ano.

– É muito.

– Com sorte, até dezembro deste ano.

– Então manteremos o confinamento até lá.

      No plano racional, ou da razoabilidade, é o único cenário que poderia unir um calendário factível a um mecanismo de solução do problema. Descoberta a vacina, quebra-se a patente, ou cada país paga royalties aos criadores, e passa-se à produção imediata em escala mundial: quase oito bilhões de doses. Será que os vacinados, por terem dinheiro, ousariam excluir os menos aquinhoados por não sentir mais medo da contaminação? A Organização Mundial da Saúde assegura que ninguém ficará de fora. Só vai acabar quando essa promessa for cumprida. A OMS, contudo, não tem poder para cumprir promessas.

      Uma projeção realista passa pela produção de uma vacina em tempo recorde, o que pode ser irrealista. Etapas estão sendo queimadas, regras de controle, afrouxadas, o ritmo acelerado ganha fôlego. Se a hipótese otimista se confirmar, fim deste ano, quantas vidas se perderão ainda até lá? Como esperar a vacina em segurança? Voltamos ao ponto de partida: em isolamento social. Os países têm recursos para sustentar um confinamento por mais sete meses? Em regime de cooperação internacional, em escala inédita, certamente. Esforço de guerra. Terão os governantes vontade de empenhar-se em tal grau de comprometimento?

      Se houver uma segunda onda de contaminação em nações que achataram a curva e reabriram, não restará alternativa. Será preciso fechar e esperar algo concreto que permita o retorno. Parece que o melhor a fazer atualmente é despejar dinheiro nos laboratórios que pesquisam vacinas e monitorar diariamente os seus desempenhos. Além, obviamente, de melhorar a rede de assistência. Sem confinamento, com o vírus circulando, dificilmente se terá leitos hospitalares para todos os infectados. Só vai acabar quando acabar. Antes disso, tudo é risco.

 


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