Na boca da urna

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Reta final da eleição em Porto Alegre

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      O jogo ainda não está jogado. O Tribunal Regional Eleitoral bloqueou a chapa de José Fortunati à prefeitura de prefeitura de Porto Alegre por irregularidade na condição partidária do seu vice. Cabe recurso. Enquanto isso, as peças agitam-se no tabuleiro. Fortunati (PTB) não era esperado no pleito. Ao entrar, desarrumou a vida de Sebastião Melo (MDB) e pavimentou caminho para a ida ao segundo turno do inimigo de ambos, o atual prefeito Nelson Marchezan (PSDB). Fortunati e Melo dividem votos. Colhem na mesma seara de eleitores. São os famosos vasos comunicantes. Tira de um, bota no outro.

      Por essas ironias eleitorais, Marchezan deve torcer para que o recurso de Fortunati seja acolhido. Ambições pessoais são legítimas. Quem pode condenar alguém por querer ser o que já foi e gostou? O gosto de quero mais, contudo, pode deixar dois chupando dedo. Vem o adversário e, no famoso correndo por fora, chega na frente. A propaganda eleitoral de Fortunati tenta posicioná-lo como o único capaz de bater Manuela d’Ávila (PCdoB/PT) no segundo turno. A mensagem busca destacar a força do ex-prefeito, mas, antes de tudo, consagra Manuela na próxima batalha, o que tem sido confirmado pelas pesquisas. Deve ser delicioso ter a valorização dos oponentes.

      A decisão da justiça eleitoral, entendem alguns menos preocupados com o coração dos candidatos, pode ser uma boa chance de um campo ideológico ou de interesses próximos recompor certa unidade, desidratar Marchezan e mandar ao segundo turno um candidato capaz de ganhar a eleição por seus ditos dotes de moderação. Fortunati e Melo em disputa favorecem Marchezan, que é o adversário dos sonhos da esquerda para o confronto final. O que nos mostra, em princípio, essa situação? Talvez que, na luta pelos próprios desejos, pode-se ligar o “ferre-se” e deixar rolar. O PT tem feito isso em São Paulo com um candidato inviável. O analista está obrigado a considerar esses elementos. São constatações ou desencobrimentos. Um fazer ver.

      Não é impossível que os eleitores virem o jogo e deem vitória para Melo ou Fortunati, com ambos no jogo, contra Marchezan. É mais arriscado. O eleitor porto-alegrense está diante de um cardápio que oferece, numa página, um ex-prefeito, o atual prefeito, um ex-vice-prefeito e o atual vice-prefeito; na outra, quem não foi, tanto na esquerda quanto no centro e na direita. Numa leitura, é ficar com o que já se consumiu ou pedir algo ainda não experimentado. Palavras têm muitos sentidos. Um adepto da interpretação conspiratória poderá enxergar no “consumiu” a ideia de desgastado e no “não experimentado” uma acepção de falta de experiência. O tempero não foi esse. Menos. O eleitor lida com continuidade ou ruptura. O que ele quer mesmo?

      Jogo de paradoxos, uma eleição tem coisas assim: o candidato pode ter dificuldade maiores no primeiro turno do que no segundo. No caso de Porto Alegre, a direita se dilacerou até agora. Como fará se tiver de apoiar Marchezan no segundo contra o chamado inimigo ideológico? Ou o medo do comunismo terá o poder mágico de curar as feridas e unir os que até agora se chamavam disso e daquilo com uma intensidade impressionante? A decisão da justiça poderá funcionar como freio de arrumação, um tranco capaz de resolver o que os apetites pessoais não permitiram. Para Fortunati, foi golpe. Por que o TRE o golpearia, favorecendo Melo, crítico dos ganhos do judiciário?

 


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