No banco dos réus

No banco dos réus

Cenas de um ano sombrio

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      Terminado o julgamento da tragédia da boate Kiss, com os réus condenados, mas em liberdade graças a um habeas corpus, as famílias das vítimas sentem-se aliviadas por ter “sido feita justiça”. Chamou a atenção de muitos que, nesse tipo de júri, ainda são empregadas estratégias teatrais de tentativa de convencimento como a apresentação de carta psicografada. Especialistas trataram de explicar que é comum. Por ser comum não deixa de impressionar. O leigo imagina que predominará a racionalidade. Na verdade, explorar emoções continua fazendo parte da retórica jurídica. Fica e eterna tristeza das vidas perdidas por causa de uma série de erros e negligências cometidos. Em se tratando de uma longa cadeia de responsabilidades e de omissões, fica também a pergunta: não faltou mais gente no banco dos réus?

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      Foi assassinado na sua casa, em Porto Alegre, José Wilson da Silva, o “tenente vermelho” (título também do livro que publicou em 1987), personagem da história da Legalidade, episódio comandado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que garantiu a posse de João Goulart na presidência da República, em 1961, quando Jânio Quadro renunciou. Eu gostava muito do “Seu” José Wilson. Conversamos bastante em agosto quando das comemorações dos 60 anos da grande aventura da sua vida. Ele contribuiu muito para meu livro “Vozes da Legalidade”. Aos 89 anos, o “tenente vermelho” era muito atuante no WhatsApp. Ao ouvir barulho na sua garagem, saiu de facão para o ver o que estava acontecendo. Foi morto a tiro. Era uma dessas figuras que tornam o cotidiano mais interessante: bonachão, contador de histórias, cheio de lembranças, com uma vida repleta de posicionamentos. Cassado pelo regime militar de 1964, nunca se dobrou.

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      O que vai pesar mais nos debates eleitorais para a presidência da República em 2022? Até agora, a inflação. Esse termo carrega um combo de desgraças: de perda de poder aquisitivo até fome. A dita cuja disparou e já anda na casa dos dois dígitos para o ano. Num país com inflação alta tudo é corroído. O pequeno poupador ilude-se. Coloca de lado um dinheirinho e espera poder, com o valor nominal acumulado, proteger-se no futuro. Enquanto poupa, a inflação come o seu esforço. Uma das piores pragas é uma conjunção de fatores maléfica: inflação alta e taxa Selic baixa. Em 2021, isso existiu. Aí o Banco Central precisou meter o pé no acelerador e elevar a Selic, que está em 9,25.

Quanta gente foi convidada a experimentar as delícias de investir em bolsa, chamada com o eufemismo de renda variável para esconder o perigo. Na terminologia bancária, a pessoa ponderada, que trabalhou e não querer correr o risco de perder seu dinheiro no cassino financeiro, é chamada de conservadora. Acho que é para ela se sentir constrangida e arriscar um pouco. Às vezes, o dispositivo aplica-lhe o rótulo de moderada para justificar um lance mais ousado. A poupança, um dos investimentos menos rentáveis, mas sem imposto, deu 2,2% de rendimento no ano. Tem previdência privada, com imposto, que deu 1,70%. Para o poupador de renda fixa o presente de Papai Noel foi o aumento da Selic. Ele esfrega as mãos esperando mais em 2022.


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