No rastro da natureza

No rastro da natureza

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Nada como um imprevisto para tirar a pessoa da rotina. Fomos passar a virada do ano na Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Sou um urbano com raízes rurais. A minha veia ecológica salta cada vez mais. Andamos a cavalo à beira de um cânion, vimos cachoeiras de águas cristalinas e fomos parados pela chuva. Fez frio, teve muita neblina e uma rocha que caiu e bloqueou a estrada para Criciúma. Ficamos numa Suíça catarinense, no começo de janeiro, revendo grandes filmes, namorando, conversando e refletindo. Posso dizer que subi a montanha, pensei na vida e tomei decisões que não contarei. O retorno se tornou a parte mais interessante da viagem. Descemos numa Land Rover por uma estrada de muita pedra e chão batido de Bom Jardim da Serra rumo a São José dos Ausentes e Cambará do Sul. Vimos paisagens deslumbrantes, rios de águas límpidas, os lindos campos de cima da Serra, recantos sublimes protegidos pela natureza, sol, lama e chuva.

Dobramos para descer a Serra da Rocinha. Já no vale, passamos por lugares lindos e bem cuidados com nomes melancólicos: Turvo, Ermo e até, depois, por Sombrio. Turvo, Ermo e Sombrio num dia só é impactante. Gosto de observar os detalhes menos importantes: um cemitério na beira da estrada com as gavetas abertas e ainda vazias sinalizando certamente para os viajantes a vacuidade da existência. No Natal, estive em Palomas. Conversando com um morador local, guardei algumas das suas palavras ditas com a calmaria dos sábios:

– Passo meus dias aqui. De noite, vou dormir na cidade.

Ao dizer essas palavras, apontou o horizonte como que designando a beleza intangível da natureza. Tudo tão lindo. Pensei: se tudo de certo, serei como ele amanhã. Ainda tenho muito a aprender. A natureza me chama. Esses lugares dos quais estou falando são conhecidos de todos ou de quase todos. Não os cito como inacessíveis ou misteriosos. Falo é das belezas tão próximas e tão distantes que me capturam cada vez mais e costumamos ignorar.

Perto de São José dos Ausentes, numa clareira com alguns lampejos de sol, um gaúcho bem pilchado, com a perna dobrada sobre os arreios, montado no seu cavalo paciente, conversava com um visitante. Que mais querer?

Um atalho pode ser longo. O caminho mais curto pode ser rápido demais. Vivemos na era da ansiedade, da aceleração do pensamento, das fobias, das angústia e dos desejos ilimitados. Quando tudo queremos, nada temos. Parar o tempo talvez seja a chave de tudo. O tempo, porém, talvez nem passe. Nós é que corremos por medo de cair se pararmos. O bloqueio de uma estrada pela natureza mexe com todos. Como seguir? Como prosseguir? Como acelerar? Como ficar parado? Havia opções. Escolhemos instintivamente a menos cotada. Na pressa, havíamos comprado, sem perceber, uma passagem num ônibus pinga-pinga. Paramos em tantos lugares que quase escapamos do engarrafamento do retorno da praia. Fizemos em doze horas uma viagem de cinco. Como se explica que eu tenha ficado com essa estranha sensação de alegria?

Deve ser a velhice que me empurra para a busca da autenticidade perdida.

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