Nosso Big Brother de cada dia

Nosso Big Brother de cada dia

Nunca Orwell foi tão atual

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Nenhum programa de televisão é mais medíocre do que o tal Brother, que chega à vigésima edição no Brasil. É a nossa maior jabuticaba. Será que nos revela?

Vejamaos:

Quando um secretário nacional da Cultura plagia o braço direito de Hitler para defender uma “arte heroica e nacionalista” e um procurador do Ministério Público Federal indicia um jornalista, sem investigação, por ter cumprido o seu papel de divulgar informações de alta relevância sobre os bastidores do poder, eu penso em dois escritores gigantescos: Aldous Huxley e George Orwell.

Em 1931, Huxley, em míseros quatro meses, escreveu “Admirável mundo novo”, livro que aborda a avanço do estado autoritário sobre as liberdades individuais. Grandes livros não exigem muito tempo de escrita. Deixemos Huxley de lado por hoje. Há 50 anos, em 21 de janeiro de 1950, morria, aos 46 anos de idade, George Orwell.

      Ele matou a pau especialmente com dois livros incontornáveis e sempre lidos: “A revolução dos bichos” (1945) e “1984” (1949). Em ambos, denuncia o totalitarismo. Para quem tenha dúvidas sobre a infiltração do controle na vida cotidiana, a leitura de Orwell é esclarecedora: “A guerra é travada, pelos grupos dominantes, contra seus próprios súditos, e o seu objetivo não é conquistar territórios nem impedir que outros o façam, porém, manter intacta a estrutura da sociedade”. Sintomática passagem em tempos de “guerra cultural”.

      O tom pode ser mais forte: “Porque se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela”. Quando o ministro da Fazenda, o milionário Paulo Guedes, em Davos, diz que o inimigo do Meio Ambiente é a pobreza, não a ganância dos ricos, as frases de Orwell agigantam-se: “O fato de ser uma minoria, mesmo uma minoria de um, não significava que você fosse louco. Havia verdade e havia inverdade, e se você se agarrasse à verdade, mesmo que o mundo inteiro o contradissesse, não estaria louco”. A minoria ambientalista respira.

      Haveria tanta coisa de Georges Orwell para citar nestes tempos sombrios. Melhor reler os seus livros. Em todo caso, mais algumas pílulas iluministas: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”. Parece uma observação perfeita para o ministro Sérgio Moro, que inventou o termo “bobageirada” para caracterizar as revelações escandalosas dos bastidores da sua operação Lava Jato pelo site “The Intercept”. É de Orwell a melhor definição de jornalismo: “Publicar aquilo que alguém gostaria de esconder”.

O resto é só propaganda.

      Cartas compradas recentemente pelo filho de George Orwell revelam o quanto a vida do escritor foi atípica: a esposa concedeu-lhe a liberdade de transar duas vezes por ano com a amante. Resta prestar atenção, nesta era de vigilância total e de apego à cultura da irrelevância, à sua advertência: O Grande Irmão está de olho em você”. Não para segui-lo, mas para persegui-lo.

 

 

 


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