O caso Daniel Silveira

O caso Daniel Silveira

Deputado fez do insulto uma arma

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      Ludwig Wittgenstein era bom de lógica. Ele escreveu: “Quando digo a alguém ‘pare mais ou menos aqui’ pode essa elucidação não funcionar perfeitamente?” O general Eduardo Villas Bôas confessou em livro que, em 2018, quando era comandante do Exército, articulou com a alta cúpula militar uma postagem, “no limite da responsabilidade institucional”, para pressionar o Supremo Tribunal Federal. Era um “para mais ou menos aqui”. O ministro Celso de Mello entendeu, na época, como a mensagem deveria ser entendida: uma ameaça indevida. Já o ministro Edison Facchin só reagiu agora ao intervencionismo do general. Declarou ser inadmissível tal coisa. O general ironizou: um pouco tarde, três anos depois. Gilmar Mendes saiu em defesa do colega. O deputado bolsonarista Daniel Silveira disparou contra o STF.

      Há uma cadeia assustadora: o presidente da República diz que o certo seria tirar de circulação certos jornais. O que eles fazem de mal? Criticam o presidente. O general admite aquilo que tem cara e cheiro de ameaça de golpe. O ministro Gilmar Mendes afirma que a Lava Jato teve lado e atuou para eleger Jair Bolsonaro. Houve época em que Mendes era a favor da operação e até impediu Lula de ser nomeado ministro, atropelando, segundo alguns juristas, atribuição do executivo. Aí vem o deputado Silveira e bota fogo no parquinho: defende em vídeo o famigerado AI-5, ataca a honra de ministros do STF, fala em venda de sentenças, propõe fechar a barraca, chuta o balde. Ele estaria em baixa e querendo agradar as hostes bolsonaristas. Preso, desafia o ministro Alexandre de Moraes. Diz que vencerá a queda de braço. Lança o “povo” contra as instituições. Essa prisão poderá, sugerem alguns, aumentar o seu cabedal de votos em 2022. É isso aí.

      Não bastasse esse barulho, talvez pela falta de carnaval, surge uma mensagem dos procuradores da Lava-Jato sugerindo, no tempo em que mandavam no jogo e nutriam a mídia, atirar a massa excitada contra o mesmo STF que ulcera Daniel Silveira, o político que ficou famoso por ter quebrado uma placa de rua em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco: "Acho que podemos alimentar os movimentos pra direcionarem atenção para o Alexandre de Moraes. Se pegar sem a nossa cara, melhor, porque fico penando [sic] em possível efeito contrário em que nós queremos colcoar [sic] o STF contra a parede”. Opa! Que é isso, companheiros, tentando embretar um ministro da suprema corte!?

      No meio da refrega, na hora de ser preso, Daniel Silveira gravou novo vídeo e fez uma confissão interessante: disse já ter sido preso noventa vezes. Policial, pelo jeito ele mais foi preso do que prendeu. Tudo isso será o resultado de orientações cristalinas baseadas no “pare mais ou menos aqui”? Vamos vacinar, mas não tem vacinas. Vamos mudar a política, porém, quando der. Vamos mudar tudo sem mudar muito ou nada. Até quando a frágil democracia brasileira suportará provocações do presidente, do general, dos procuradores, do deputado? Vou parar mais ou menos aqui para acompanhar o desfecho. Carnavalizou. O vídeo de Daniel Silveira é a peça mais hedionda da atualidade.

 

 


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