O mundo de Lennon pelos olhos de hoje

O mundo de Lennon pelos olhos de hoje

Artista faria 80 anos

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      Roberto Carlos fará 80 anos em 2021. Pelé será octogenário no próximo dia 23. Chico Buarque é um guri. Nasceu em 1944. Só tem 76. Caetano Veloso é dois anos mais velho. John Lennon, se não tivesse sido alvejado por um desvairado, teria feito 80 anos na última terça-feira. Os anos 1940 deram bons frutos. Depois de tomar quatro chás de cidreira, como faço todos os dias, tive um delírio: achei que era a encarnação de Lennon. Sem a Yoko Ono. Não por misoginia. Nem por antipatia gratuita. Ela simplesmente não entrou na história. Era eu tentando remontar os Beatles. Os sobreviventes diziam: “Não dá”. Como não dá? "Não tem como".

      Diante da minha insistência, cantavam: “Falta paz e amor”. Eu recitava frases de Lennon para provar que eu era quem eu dizia que estava sendo: A vida é aquilo que acontece enquanto você está fazendo outros planos”. Eles pareciam estar vivendo. Então eu me lembrei como Lennon de tudo o que tinha acontecido conosco, meio em tom de Belchior, até a luz se apagar: era tanta esperança, tanta utopia, tanto sonho e tanta certeza de que algo se podia fazer. Entre cinismo e desencanto, eu me via de cabelos compridos e surpresas curtas. Só me restava falar o que Lennon um dia falou: “Vivemos num mundo onde nos escondemos para fazer amor! Enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”.

      Já não nos escondemos para fazer amor. Muito menos para praticar violência. As balas perdidas acham meninos. Os responsáveis encontrados alegam legítima defesa. Como Lennon, eu queria mudar o mundo. Por mim, pelas crianças mortas, por nós, por Lennon. Só não sabia por onde começar. O cara cochichava no meu ouvido esquerdo: “Você pode dizer que sou um sonhador. Mas eu não sou o único. Eu espero que algum dia você junte-se a nós. E o mundo viverá como um só”. Será que ainda dá? Ouvi dizer que tudo isso agora é passado e que só o dinheiro salva. Nem tudo que ele disse me convenceu: “Eu quero dinheiro apenas para ser rico”.

      Acho que não entendi. Os outros não se davam o trabalho de me explicar. Na pele de Lennon eu queria um mundo melhor, não pensava no melhor dos mundos, onde todos seriam, de algum modo, artistas ou fariam de suas vidas uma obra de arte. No meu ouvido direito Lennon se desculpava: nem sempre fora uma boa pessoa. Não fora o pai que deveria ter sido. Podia ser um tanto cínico. Numa entrevista à revista Playboy, Lennon respondera: “Dos 22 aos 30 anos passei minha vida envolvido em contratos e compromissos. Eu não era um homem livre. Meus contratos eram uma manifestação física de uma prisão. Passou a ser mais importante para mim me encarar e encarar a realidade do que prosseguir no mundo do rock'n'roll - e ficar oscilando de acordo com os caprichos de meu próprio desempenho ou da opinião pública. O rock já não tinha graça para mim. Decidi não seguir os caminhos habituais de quem lida com o negócio - ir para Las Vegas e cantar seus sucessos, se você está feliz, ou ir para o inferno, que é para onde foi Elvis Presley”.

      Eu sou um homem caseiro. Logo sou o Beatle assassinado. Acordei ouvindo Lennon: “Viver é fácil com os olhos fechados”. Não disse? Não, não disse.

 

 


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