O silêncio da censura

O silêncio da censura

publicidade

O golpe de 1964 abriu caminho para um tempo de tortura, assassinatos, cassações arbitrárias de mandato e cerceamento da democracia. A ditadura foi impondo o silêncio até que, com o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, calou jornalistas e tentou ficar sozinha como dona da voz. O regime militar marcou a liberdade com uma tarja preta. Aqueles que tentaram gritar foram presos, espancados, internados em hospícios, mortos e enterrados em valas comuns.

O Brasil viveu de luto durante mais de duas décadas. Por toda parte, como diz a música, choravam Marias e Clarices. Ficou um rastro de sangue e cadáveres.

Ainda esperamos que as forças armadas peçam desculpas pelos crimes que cometeram. Também esperamos que a imprensa se desculpe pelo apoio que deu ao golpe e também, em grande parte, à ditadura. Grandes jornais se opuseram à censura, mas não deixaram de louvar os feitos do regime. Vivemos um tempo de palavra cassada, colocando termos nas entrelinhas dos textos para enganar os censores instalados nas redações, broncos que confundiam Groucho Marx com Karl Marx e desconfiavam do comunismo de livros como O Vermelho e o Negro, de um certo Stendhal.

Triste é ver que alguns ainda apoiam a barbárie de 1964 cujos torturadores e ditadores nunca foram punidos. Os cínicos falam em punição aos dois lados. Não fosse um discurso estratégico, seria apenas burrice e má-fé. Um lado foi preso, torturado, morto, exilado, cassado, julgado pelo Superior Tribunal Militar, condenado e punido. O outro, o dos torturadores, nunca foi incomodado. A censura mandou apagar a corrupção dos jornais durante a ditadura, criando a falsa ideia de uma época de moralidade absoluta. Os incultos acreditam.

Foi preciso engolir palavras, falar baixinho, inventar metáforas, driblar os energúmenos, debochar dos censores e das suas “vacas fardadas”, como se definiu o deflagrador do golpe, o general Mourão. Como silenciar?

– “Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta”.

Como censurar este saldo mortal contabilizado por jornalistas como Luiz Cláudio Cunha: 500 mil investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por subversão; 50 mil presos nos primeiros meses da ditadura, 11 mil acusados, cinco mil condenados, dez mil torturados, dez mil exilados; 4.862 mandatos cassados, 1.148 funcionários aposentados ou demitidos, 707 processos políticos na Justiça Militar; 49 juízes mandados embora; três ministros do Supremo Tribunal Federal demitidos; o Congresso Nacional lacrado três vezes; sete assembleias estaduais postas em recesso, 400 mortos pela repressão; 144 deles desaparecidos até hoje”. Horror de Estado.

O tempo do silêncio passou. A guerra é agora. Guerra contra a impunidade. Pelo fim da Lei da Anistia para que torturadores e censores possam ser punidos. O último vestígio da censura, que amordaçou jornalistas, resistentes e artistas, é a Lei da Anistia. Ela impede que sejam discutidos e julgados nos tribunais os crimes cometidos pelos militares. É preciso escancarar a caixa preta da repressão para acabar com a impunidade.

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895