Olímpiada da diversidade

Olímpiada da diversidade

Atletas combatem preconceitos

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    A Olimpíada de Tóquio nem deveria estar acontecendo. Mas já que rolou vejamos o que está mostrando de bom. Além dos desempenhos dos atletas, o evento é um grande elogio à diversidade: de gênero, religião, cor de pele (raças não existem, salvo num sentido sociológico), culturas, imaginários, escolhas políticas e comportamentais. Está sendo um encontro altamente político. A decisão das ginastas alemãs de usar trajes cobrindo o corpo inteiro para combater a sexualização da mulher no esporte é um ato incrível baseado num princípio irrefutável: a liberdade de escolha, ainda mais num quesito que não tem a ver com a performance da modalidade em si.
    Atletas gays dedicam os seus feitos aos seus amores. Há quem expresse o seu credo. Diferentes convivem. Os jogos olímpicos destacam o mérito. O melhor ganha e leva ouro. Mas valorizam também o esforço, a dedicação, a entrega, a tentativa, os sacrifícios, até as derrotas heroicas. No vôlei brasileiro, Douglas conquistou o país com seu talento e com sua espontaneidade. Ele assume a sua orientação sexual cristalinamente. Outros lutam contra o racismo, contra o machismo, contra a homofobia. Diante disso ressurge uma questão: não há gays no futebol masculino das primeiras divisões do mundo inteiro nem nas seleções olímpicas? Se não tem, não tem. Essa exceção soa estranha. Será o futebol masculino o ambiente mais homofóbico de todos?  
    Não faz muito se encobria o racismo nos estádios de futebol. Havia um silêncio cúmplice de quem deveria denunciar. Alguns achavam que era tudo brincadeira. Outros não queriam prejudicar os clubes, que não seriam responsáveis pelos atos dos seus torcedores de todas as camisetas imagináveis. O pacto tácito foi quebrado. Não se aceita mais o prato diário de ofensas como se fossem inofensivas. Não se quer mais viver em armários. Uma sociedade nova está nascendo. A Olimpíada de Tóquio expressa essa metamorfose por determinação dos atletas e pela exclusão de organizadores que não corresponderam ao comportamento respeitoso esperado. Tóquio já está no alto do pódio da diversidade.
A prata no skate da brasileira Raíssa Leal, de 13 anos, conhecida como fadinha por causa de um vídeo quando era mais criança ainda vestida de fada, mostra que talento vai além de idade. Essa vitória pessoal se espalha gerando um orgulho coletivo. A diversidade incomoda os dogmáticos. Um dos melhores lemas inventados até hoje é viva e deixe viver. Não tolha aquilo que não traz prejuízos a terceiros. O presente semeia novas perguntas: somos obrigados a validar homenagens do passado, inclusive a escravistas notórios, ou cada época tem o direito de fazer alterações pelos seus valores?
Em agosto de 1878, Machado de Assis escreveu: “No Skating houve esta semana grande pega de pé, uma brilhante corrida, que congregou, no recinto do estabelecimento, a fina flor da nossa sociedade; concorrência de quatro mil pessoas, pelo menos. O grande prêmio coube ao jovem filho de um estadista. Noto que, por ora, o belo sexo é avaro das suas graças na patinação. Salvo algumas meninas de cinco a onze anos, creio que nenhuma dama, ou rara, desceu à arena. Pois era o meio de lhe comunicar um pouco mais de elegância e correção”. Que dizer?

O esporte era outro, elitista.

Avançamos. Ainda falta muito.

 


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