País do futuro?

País do futuro?

Onde foi parar o amanhã prometido?

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Em 1995, na Sorbonne, sob a orientação de Michel Maffesoli, com Edgar Morin e Jean Duvignaud na banca e Jean Baudrillard na plateia, defendi a tese de doutorado “Anjos da perdição, futuro e presente na cultura brasileira”, que, em 1996, virou livro no Brasil e, em 1999, na França. Eu partia da síntese de Stefan Zweig, “Brasil, país do futuro”, para refletir sobre nossa formação, deformação e conformidade. Passados 25 anos, o livro ganha nova edição revisada e contextualizada com um prefácio. Onde foi parar o futuro prometido? Onde foi parar o presente?

Eis o começo: “País do futuro, o Brasil mergulhou no presente e reinventou os seus mitos. Durante muito tempo, principalmente a partir do século XIX, e ao longo do século XX, a nação brasileira representou-se como a potência do amanhã. O cotidiano deixou-se marcar pela esperança de transformação radical, a metamorfose que, conforme as crenças disseminadas, seria intrínseca ao destino do Brasil. Na prática, os homens articularam um universo denso de contradições e de paradoxos. O futurismo iluminava o caminho (o dever-ser); o presenteísmo desnaturava-lhe e responsabilizava-se pelas energias gastas no dia a dia”.

Se o futuro era só promessa, o que o presente entregava? Era preciso revisitar os nossos alicerces para entender o nosso teto. Assim: “Emile Durkheim constatou, em seu livro As formas elementares da vida religiosa, que uma sociedade não se constitui simplesmente pela adição dos indivíduos que a compõe ou pelo que produzem. Uma sociedade assenta-se, antes de tudo, sobre a “ideia que ela faz de si mesma”. É o que permite a postulação de uma sociologia ou de uma antropologia das representações e parece ser o melhor ponto de partida para o estudo e a compreensão do Brasil contemporâneo. Não é o caso de se imaginar que as sociedades se comportam em suas práticas sociais de acordo com um modelo ideal ou mental a priori, mas de confrontar o vivido ao conjunto de autorreferências e de buscar suas conexões, inter-relações e influências recíprocas. Os brasileiros não são atores interpretando papéis previstos em roteiros concebidos de antemão. Tampouco produzem a história cotidiana em completa independência de um imaginário. A mão dupla entre o pensado, sonhado, idealizado, introjetado como valor mítico ou fundador e o realizado abre ao pesquisador o coração do social. O Brasil é a perfeita demonstração desta proposição”. O presente podia suplantar o futuro?

Um quarto de século depois o que se vê? O futuro desertou. O presente pediu vista do processo e ainda não o liberou para votação. Tendo revisitado os grandes ensaístas da formação da cultura brasileira, com atenção especial para Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado e Roberto DaMatta, minha investigação opunha as promessas e idealizações intelectuais às astúcias do povo para sobreviver. Continuamos os mesmos. As dificuldades é que se tornaram maiores. Já não nos vemos como o país do futuro. Queremos é um presente para ontem.

 

 


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