Paraísos desertos de Alagoas

Paraísos desertos de Alagoas

Um passeio completo por um dos Estados mais bonitos do Brasil

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 Todo ano, vamos à França. A trabalho. Quase todo ano, vamos a Alagoas, em férias. Alagoas é um paradoxo. Mescla com a mesma intensidade beleza natural e pobreza construída pelo homem. Atravessamos Alagoas de norte a Sul, de carro, pelo litoral, de São Miguel dos Milagres, talvez a extensão de praia mais bonita do país, a Penedo, pérola colonial e barroca à margem do Velho Chico, que não perde para joias europeias. O mar parecia mais azul do que nunca, mesmo perto de Maceió. Revimos povoados, lagoas, rios, coqueirais, a casa onde morreu PC Farias – todo motorista faz questão de repetir essa informação –, praias desertas mais lindas que muitas das mais belas areias ocupadas do país. Não vimos um só buraco no caminho e um só pedágio. Dizem que se trata do poder de Renan Calheiros.

      Alagoas me desperta sentimentos estranhos. Sinto vontade de reler poetas do passado, de dizer que nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá e de pedir a Deus que me garanta o direito de voltar. Não importa, no caso, que o poeta em questão tenha nascido no Maranhão. A sua canção do exílio ressoa em mim como uma premonição. Paramos para tomar água de coco. Confesso que eu me emociono com essas pessoas simples que riem por nada, agradecem por tudo e abraçam apertado como se fossem velhos amigos. Olhei para cima na noite anterior e constatei que “nosso céu tem mais estrelas”. Durante a viagem, tive de admitir que “nossas várzeas têm mais flores”.

      Amo o Nordeste do Brasil. Assim como amo a África. São mundos interligados. Os perfumes de Alagoas e suas cores me fazem lembrar de velhas palavras, algumas sem nexo com o que encontro, que nem sempre uso: arrebóis, carnavais, margarida, fruta-pão, cantaria (escravos esculpindo e cantando), pipa, surubim, lagartixa, oratório, carmesim, jacarandá, marimbo, galeão, atabaque, repique, louvor e tantas outras que derretem na boca. Outro poeta, este, sim, alagoano, Jorge de Lima, cantou o inverno como chegada da chuva, do verde nos galhos, de fartura e até de “formigas de asas e tanajuras”. Se eu pudesse, cantaria a inclemência do sol.

      Gosto desse sol que cresta e atormenta. Gosto desta mistura de litoral e sertão. Alagoas, na política, parece fadada a legar personagens polêmicos: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Fernando Collor, Renan Calheiros. No trajeto, não penso neles. Por que o faria? Salvo quando passamos pelo município de Marechal Deodoro, na região metropolitana de Maceió, onde nasceu o primeiro presidente do Brasil, o primeiro a dar golpes e a sonhar com mais poder supostamente legal. O primeiro nome de Marechal Deodoro, no século XVII, foi Vila Madalena de Subaúma. Gosto dessa sonoridade. Penso nela por muito tempo, até a Praia do Pau. Sou capaz de me evadir por meio do poder mágico das palavras sonoras.

      Passamos por Feliz Deserto. Não sei se o povo alagoano é irônico a ponto de chamar de felizes os seus desertos. Paraíso deserto cabe a muitos dos seus lugares. É tanta paisagem bonita, tanta fotografia não feita, tanta onda azulando ao longe, tanta lembrança para tão pouca memória.

 

 


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