Para que está ficando feio

Para que está ficando feio

Governo Bolsonaro acumula caneladas

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Os humoristas não sabem o que explorar primeiro. O governo Jair Bolsonaro é uma fábrica de caricaturas prontas para rir e chorar. Numa mesma semana, o presidente produziu meia dúzias de manchetes tragicômicas: censurou uma campanha publicitária do Banco do Brasil que exaltava a diversidade sexual, étnica e comportamental. Justificou o ato assim: “A massa quer respeito à família". Na mesma batida, Bolsonaro reviveu seus piores momentos homofóbicos: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay. Temos famílias”. O machismo presidencial veio com tudo: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. Eita!

      O turismo heterossexual está liberado. Resta saber o que as brasileiras pensam dessa autorização. Não bastasse esse tipo de declaração constrangedora, o presidente da República aliou-se com seu novo ministro da educação, o agente do mercado financeiro Abraham Weintraub, para combater as Ciências Humanas: “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta". O ministro da deseducação afirmou que um pai agricultor não pode ver um filho voltar para casa com um diploma de antropólogo. Pierre Bourdieu, filho de agricultor, revolucionou a sociologia mundial. A família sentiu vergonha ou orgulho?

      O que se esperar de um governo cujo guru foi astrólogo? Num bestiário, é a história da união inusitada do astrólogo, do capitão que não deu certo no exército, do juiz que flexibilizava provas, do banqueiro que pretende obrigar pobre a poupar e do agente do mercado financeiro determinado a privatizar a filosofia e a sociologia. Sem contar o ministro do Meio Ambiente que só pensa no agronegócio e do ministro do turismo acusado de ter plantado um laranjal eleitoral. É muita loucura reunida num só governo. Tudo em nome do patriotismo, da família e dos bons costumes.

      As humanidades, base da civilização ocidental que Olavo de Carvalho diz querer preservar, ensinam no mundo inteiro a pensar livremente e a criticar. Deve ser isso que incomoda o bolsonarismo. A filosofia tem mais de dois mil anos de combate ao obscurantismo. É a inimiga permanente do ignorancialismo. É tudo tão louco que Felipe Martins, assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais, publicou nas redes sociais parte do poema citado no manifesto do terrorista que matou 50 pessoas na Nova Zelândia. O verso de Dylan Thomas, “não te vás tão docilmente nesta noite linda”, faz parte do patrimônio cultural da humanidade, mas o que significa citá-lo neste momento de choque mundial?

      O Brasil sempre se orgulhou de uma imagem exagerada de tolerância. O governo Bolsonaro parece decidido a enterrar esse abuso. Faz tudo para semear a intolerância. Como gostam de dizer alguns na falta de bordão mais original: para que está ficando feio. Ficando? Esteve feio desde o começo. Ficou pior depois que o ministro da Educação anunciou corte de verbas de universidades que fazem "balbúrdia" e que Jair Bolsonaro propôs salvo-conduto para fazendeiro matar sem punição quem for julgado invasor de sua propriedade. O lema virou; a propriedade acima de tudo e de todos, inclusive da vida.

 


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