Poesia: incêndios
Que estamos fazendo?
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Que estamos fazendo aqui
A olhar os mesmos patos selvagens,
A contemplar pássaros fazendo a curva
Nesta tarde suave depois das chamas?
Que estamos fazendo de rosto limpo
Enquanto a noite avança no tempo?
Que estamos fazendo com a solidão?
Colinas esverdeadas tão distantes
Casas de meia-água debruçadas em vão,
Crianças, trilhos, mulheres descalças
Enquanto o tempo devora os seus filhos.
Que estamos fazendo nesta encruzilhada,
Sob a luz turva da antiga embarcação?
Próximo, corre o rio para o destino
Longe, a máquina vermelha resfolega
Enquanto homens consertam relógios.
Que estamos fazendo nesta plantação
Entre riachos, juncos e a rebentação?
Por trás de nós, expande-se o mundo
Até se perder depois dos canteiros
Onde ainda se perfila a cachoeira.
Que fazemos enquanto fazemos o que somos,
Resignados diante da beleza dos montes,
À sombra antiga do arvoredo silencioso,
Arquivando paisagens, aragens, colheitas
Enquanto a velha se deita no esquecimento?
Que estamos fazendo com o que fomos,
Com essa tristeza tão súbita por dia,
Essa firmeza petrificada de tanto ser,
Esses passos em falso sobre as nuvens
Enquanto a estrada se desfaz em veredas?
Que estamos fazendo aqui contando as chamas,
Inventariando as labaredas que se inflamam,
Na aspereza abrupta da trilha de pedra solta,
Sentindo a brisa sufocada passar tão lenta,
Enquanto a pressa se corta em mil fragmentos?
Que estamos tentando salvar do vento solene,
Esse vento que sopra agora do fundo do tempo.
Trazendo infâncias, aromas, algo do relento,
Tudo isso que fazia parte do que ainda seria,
Enquanto as mãos se lavavam na imaginação?
Que estamos fazendo aqui, mãos soltas ou unidas,
Tanto faz, enquanto a umidade colore paredes?
No rastro do pássaro tonto seguiu o aparelho
Tudo se tornou metálico como uma lembrança,
Que estamos fazendo depois da última dança?