Por Henry

Por Henry

Como explicar o papel da mãe do menino morto?

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      O caso do menino Henry, morto no Rio de Janeiro, não sai da minha cabeça. Fiquei muito chocado. Como explicar o acontecido? As investigações feitas até agora indicam que ele sofreu agressões do padrasto, o vereador carioca conhecido como dr. Jairinho, um típico playboy cheio de si e pronto a acionar as suas relações privilegiadas para se safar de tudo. Depois da morte da criança, Jairinho ligou até para o governador do Estado. Junto ao hospital onde o corpo foi depositado, buscou obter o mais rápido possível um atestado de óbito para “virar a página” e enterrar o “corpinho”. As expressões são dele.

      Duas coisas chamam muito a atenção. Uma delas é a fala de Jairinho para consolar o pai do menino: “Vamos virar essa página. Faça outro filho”. Simples assim. Menino morto, menino substituído por um novo. Para que se desesperar? Nunca imaginei que se pudesse dizer isso a um pai no auge do sofrimento. Faz pensar num objeto estragado: compra-se outro. Se provado que Jairinho matou Henry, a quem agredia, tanto que a mãe do menino pensava em colocar câmeras para flagrar a violência, o acusado, na condição de condenado, terá muito tempo na cadeia para tentar virar uma página que jamais saíra da sua vida.

      A outra coisa que chama a atenção é o papel da mãe do garoto. Ela fez tudo para proteger o namorado. Alguém dirá que o fez por amor? Ou por ter participado do crime? Pode uma mãe ver um filho pequeno ser agredido até morrer e ainda dar proteção ao agressor? Até condenação, tudo acusado é presumido inocente. É difícil entender como Henry poderia sozinho ter sofrido as lesões constatadas no exame do seu corpo. A babá contava à mãe de Henry o que ele sofria na sua ausência. Outras mulheres e crianças já relataram violências do suspeito no seu passado “amoroso” nem tão distante assim. No meio de uma pandemia, diante de um inimigo invisível poderoso, Henry enfrentava um inimigo grande e visível sem a menor chance de defesa. O que dizer disso?

      É nesses momentos que muitos descreem da humanidade. Um espírito sensato dirá que se trata de ação de um exemplar da espécie humana, não de toda a humanidade. A ponderação é justa. Dá uma tristeza sem fim pensar que uma vida tenha sido ceifada dessa maneira. Na delegacia onde prestou depoimento sobre a morte do filho, na Barra da Tijuca, Monique fez uma selfie. O que podem a sociologia e a psicologia dizer sobre esse ato, sobre essa imagem, sobre essa atitude? É o flagrante da indiferença hedionda no apogeu da era da imagem e do egocentrismo?

      Pode uma mãe mostrar um sorriso suave, numa posição de relaxamento, nove dias depois da morte do filho, sendo o seu namorado suspeito de ter assassinado a criança? Não serei eu a fazer condenações antes do julgamento. O que me transtorna é essa aparente ausência de desespero, essas manobras para tentar “virar a página”, essa frieza capaz de recomendar a substituição de um filho por outro a ser feito para eliminar o incômodo de uma ausência dolorosa. O vírus mata sem consciência do que faz. Pode ser perdoado quem mata criança?


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