Porto Alegre em Cena, um caso de sucesso

Porto Alegre em Cena, um caso de sucesso

Festival de teatro cada vez mais consagrado

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 Inter e Grêmio são patrimônios gaúchos. O Mercado Público de Porto Alegre também. Assim como o Brique da Redenção. E o Porto Alegre em Cena. Concebido por Luciano Alabarse, hoje secretário da Cultura da capital gaúcha, e dirigido atualmente por Fernando Zugno, o festival de teatro arrasa a cada ano. Vi três espetáculos. O cardápio era farto. Não tive tempo para me fartar. Fiquei embasbacado com a força de certas imagens, palavras e simbolismos. No Sesi, “Pi, panorama insana”, dirigido por Bia Lessa, matou a pau ao tematizar com originalidade as muitas formas de exclusão social. Uma torrente de cenas, de imagens, de evocações, de choques na percepção adormecida.

      No Teatro da PUCRS, “Happi, a tristeza do rei”, espetáculo de dança de James Carlès, intérprete e coreógrafo de origem camaronesa, e do coreógrafo algeriano Heddy Maalem, ambos radicados na França, fez jorrar beleza. Até um cara como eu, obcecado por narrativas, ou seja, por histórias contadas, explicadas e esclarecidas, fica deslumbrado. Esse é um dos efeitos mágicos da arte. Encanta mesmo quando estilhaça. Estou convencido de uma coisa: se eu não consumir minha dose semanal de arte, não me mantenho em pé. Sou viciado. Dependo da arte para assegurar minha estabilidade emocional e minha sanidade mental.

      Pronto, falei. No São Pedro, o índio Aílton krenak fez a plateia arrepiar-se com “O silêncio do mundo”. O que foi aquilo? Um depoimento? Uma catarse? Um desabafo? Um alerta? Um memorial? Uma fusão com a natureza? São tantas as vozes que se podem fazer ouvir e que nem sempre escutamos. O Porto Alegre em Cena tem essa grande virtude: abraça a diversidade, aposta no pluralismo, abre espaço para realidades encobertas. Como não está preocupado exclusivamente em ter público, permite-se usar. O resultado é casa cheia o tempo todo.

      Paulo Prado, mecenas da Semana da Arte Moderna de 1922, escreveu sua obra-prima, “Retratos do Brasil, ensaio sobre a tristeza brasileira”, hospedado no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. O ponto de vista – lugar de onde se vê – não poderia ser mais emblemático. Nunca um livro começou tão mal: “Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram”. Mario de Andrade caracterizou o seu Macunaíma como “herói sem caráter” por considerar que o Brasil não possuía nem “civilização nem consciência tradicional”. Era falso na época, 1928. É desmentido hoje pelo que podemos ver em palcos de festivais como o Porto Alegre em Cena. Paulo Prado não acreditava em revoltados, mas apostava em revolucionários. Terminou assim: “É o que me faz encerrar estas páginas com um pensamento de reconforto: a confiança no futuro que não pode ser pior do que o passado”.

      Krenak e Bia Lessa me fizeram pensar em Paulo Prado. As tristezas continuam. Melhor dizendo, as misérias. Mas somos alegres. Mais revoltados do que revolucionários. A gota d’água para nós é fonte de renovação. No Porto Alegre em Cena foi uma gota d’água preta.


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