Preços e valores

Preços e valores

Da cobertura em Ipanema às couves

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      Li que em Ipanema, no Rio de Janeiro, tem uma cobertura à venda por R$ 125 milhões. Modesta. Eu sempre me pergunto: como se faz para ganhar R$ 125 milhões? Bem, não exatamente esse valor, mas um montante qualquer dessa dimensão. A minha outra pergunta é também filosófica: quem ganha uma grana dessas? A resposta é fácil: jogadores de futebol, por exemplo. O Douglas Costa, em um ano de Grêmio, deve ganhar dez por cento disso. Na minha modesta opinião, um jogador para ganhar perto de um milhão por mês teria de fazer três gols por partida ou, pelo menos, cem vezes mais gols do que os carregadores de piano. Mas não é assim.

      Essas coisas dependem de escala. Muita gente sonhou em ganhar dinheiro fácil na internet cobrando por acesso um real ou até dez centavos de real. Por um preço tão barato não deveria ser difícil ter um milhão de interessados, ou dez milhões. A maioria, porém, mesmo sem cobrar nada, tem quatro acessos. A cobertura em Ipanema fica longe. Se eu tivesse uma cobertura em Ipanema, faria uma horta de frente para o mar. Plantaria couves. Ofereceria para amigos europeus: couves de Ipanema. Imagino o sucesso. Não faltaria influenciador digital para comer couve comigo. Couves orgânicas na Farofa do Jkay. Quando o time do Inter fosse jogar no Rio, convidaria a galera para comer uma couve. Será que liberariam? Depois de um 4 a 0 sobre o Flamengo, daria.

      Chamaria o Paulo Guedes para um encontro com couve na minha cobertura. Falaríamos, claro, de economia. Teríamos coisas em comum. Eu também teria certamente uma offshore. Claudia cultivaria orquídeas na cobertura. Não sou fanático por couve. Prefiro batata doce e mandioca. Na cobertura de Ipanema, contudo, eu plantaria couves pelo simbolismo. Qual? Não sei bem. Isso seria objeto de discussão com meus amigos da semiologia. Com meus colegas sociólogos debateríamos valores. Teria uma agenda cheia. Talvez até o Chico Buarque me visitasse. Eu lhe oferecia um exemplar dos meus livros “Acordei negro” e “Memória no esquecimento”. Como diria Carlos Heitor Cony, ninguém tomou providências sobre eles. Meu sonho é comprar uma cobertura em Ipanema, mas pode ser no Leblon, com dinheiro de direitos autorais.

      Se isso acontecer, terei a aposentadoria dos meus sonhos: lendo, recebendo amigos, olhando o mar, caminhando no calçadão e plantando couves na cobertura. A Cláudia e a Tieta já plantam couves num terracinho aqui do edifício. E cultivam um jardim na rua. É o mais lindo jardim de blocos de fechamento de rua da cidade. Talvez até do país. Não direi do mundo. Deve haver algum mais lindo na Alemanha. Ainda assim, tenho dúvidas. É o que mais tenho. Dá gosto ver as flores. Vez ou outra, Claudia espanta, aos gritos, da janela, alguma predadora. A arvorezinha danificada havia brotado de novo. Sofreu novo ataque. Tudo isso enquanto faço contas e escrevo livros. Em janeiro, publicarei “Quase (toda) poesia”. Quem sabe não compro a cobertura de Ipanema com a venda do livro? O dinheiro para as couves já tenho.


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