Previdência privada em risco

Previdência privada em risco

Tomando goleada da inflação

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    Luiz Medrado é brasileiro, trabalhador e autodidata. Ao longo de uma dura vida de trabalho, poupou R$ 100 mil numa previdência privada. Nos últimos doze meses a aplicação rendeu 1,5%, com taxa de administração, sem qualquer administração, de 1,5%. Chocado, Medrado consultou quatro instituições financeiras, duas privadas e duas públicas, e recebeu a mesma resposta: “Para quem quer risco baixo não temos como garantir a inflação”, que nos mesmos doze meses anda em 8.9%. O sexagenário acredita ter aprendido algumas cosias: 1) quando banco liga é para oferecer riscos, 2) o poupador avesso a risco, a maioria, em momento de inflação alta e Selic ainda baixa, pode melhorar a sua situação, deixando de perder de 7 a 1 para perder por 2 a 1. Feito!
    Medrado ouviu o ministro da economia dizer que capital foge de riscos. Ficou perplexo: Por que então os bancos querem que seu pequeno capital corra riscos? Depois de muitas negociações, Medrado corrigiu a sua aplicação. Com isso, terá um ganho em torno de 3,2% no ano. Ou seja, vai continuar perdendo. Segundo ele, é como futebol: se joga fechado, não ganha; se vai para o ataque, pode perder muito ou tudo. Medrado fez cálculos: tinha cem, ganhou 1,5%, pagou 1,5 de taxa de administração, a inflação comeu 9, quanto lhe restou da única coisa que lhe interessa, o poder de compra do seu dinheiro? Digamos, 91. Ah, tem o imposto. Em algumas aplicações, depois de ter pago imposto na fonte sobre seu salário, paga sobre o todo, não apenas sobre a rentabilidade. Leu que o cálculo é mais complexo e sorriu. Constatou que seu dinheirinho tem três inimigos: a inflação, a taxa de administração e o imposto de renda. Ele sabe que há aplicações sem taxa de administração nem imposto de renda. Só não há sem inflação.
    Atanásio Ramos, amigo de Medrado, tentou ser mais esperto. Leu muito sobre PGBL e VGBL, letrinhas que organizam modelos de previdência privada. Soube que no VGBL poderia, depois de dez anos, pagar apenas 10% de imposto de renda. Achou que era sobre o todo ganho. Economizou religiosamente 120 parcelas de mil reais. Ao final do ciclo, quis resgatar. Soube então que apenas o ganho das parcelas iniciais, com dez anos, pagaria dez por cento de IR. O das últimas, por exemplo, pagaria 35%. Resultado: pagou pelo pacote uma média na casa dos 22%. Acha que teria sido mais adequado (não usa palavras que induzam a julgamento moral) que tivessem lhe dito isso desde o começo. Entendeu que seria um bom investimento se tivesse os 120 mil para depositar de uma vez só e pudesse esperar dez anos para recuperá-los. Restaria saber o rendimento e sonhar com inflação baixa.
    Medrado e Atanásio agora acham que a linguagem do sistema financeiro é enganosa, retórica para desavisados, propaganda. Aprenderam duas coisas que contam para todo mundo: o risco que o banco vende é para o cliente, não para o banco; aposentadoria por capitalização só faz sentido em país sem inflação ou tendo contribuição de empresa. Por uma única razão: descapitaliza. O valor de compra de cem reais depositados hoje precisa ser o mesmo daqui a trinta anos. Ou quase. Isso nunca ocorreu no Brasil. Medrado e Atanásio sabem que estão perdendo dinheiro, mas melhorando sua decepção financeira. Nos últimos tempos, os bancos lhe oferecem muitos produtos livres de inventário. Se morrerem, ganharão finalmente. Bom negócio.

 


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