Privatização de parques e praças de Porto Alegre

Privatização de parques e praças de Porto Alegre

Lei poderá liberar cercamento e cobrança de ingresso

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 De repente, não mais que de repente, estourou a bomba: a Câmara de Vereadores de Porto Alegre votaria projeto do executivo municipal propondo a concessão de parques e praças para gestão privada. O tema foi a plenário no meio da semana e voltará na próxima segunda-feira. Quem sabia disso? Concessão é o nome que se dá à privatização por tempo determinado. Já existe a possibilidade legal de adoção de praças com a fixação de publicidade discreta do adotante. O que se pretende agora? A leitura do projeto e das emendas apresentadas estarrece. Se houver aprovação do texto, conjugado com a aceitação de algumas das emendas e rejeição de outras, será possível cercar praças e parques, parcial ou integralmente, e cobrar ingresso por tempo determinado ou indeterminado. Os defensores do governo juram que não.

      A leitura dos textos mostra que sim. O projeto tem dez artigos. Dois dizem tudo. Artigo 1º “Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder os serviços de operação, administração, conservação, manutenção. Implantação, reforma, ampliação ou melhoramento, bem como o uso de praças e parques urbanos”. Ou seja, entrega total para uso total. Por até 35 anos. Cercar é “melhoramento”? Pode ser. Artigo 3º: “Fica autorizada a cobrança de ingresso pela Concessionária para acesso às áreas fechadas dos parques urbanos em que tenham sido realizados investimentos substanciais pelos concessionários”. Fecha uma área, como “melhoramento”, e cobra ingresso. O que são “investimentos substanciais”? Colocar grama no campinho de futebol da Redenção?

      Criar um estacionamento numa área fechada do Parque Harmonia? Se as emendas do vereador Mendes Ribeiro (MDB) forem aprovadas, a privatização com cercamento e ingresso pago será a nova realidade: “Fica a concessionária autorizada, sob sua exclusiva responsabilidade, a proceder o cercamento, total ou parcial, da praça ou parque urbano objeto da concessão” (emenda 6). Recapitulando: o artigo 3º autoriza a cobrança de ingresso em áreas fechadas. A emenda 6 permite o fechamento integral dos parques e praças. Mendes Ribeiro assina também uma subemenda para liquidar a fatura: o cercamento da praça ou parque concedido “não se sujeitará a prévia realização de plebiscito, conforme dispõe o art. 20-A, da LC 12/75”. Virou moda querer privatizar sem consultar a população como previsto em lei.

      É o mais escancarado projeto de privatização dos mais sagrados espaços públicos de uma cidade. A emenda 13, do vereador Ricardo Gomes (PP), transforma parques e praças em salões de festa privados: “Art. X. Poderá o concessionário, nos termos do edital ou mediante autorização do órgão competente da Administração Municipal, realizar o fechamento total ou parcial da praça ou parque a fim de realizar eventos, inclusive com exploração comercial de sua realização”. Não ficou claro? “Parágrafo único: nas datas previstas ou autorizadas, o concessionário poderá, se assim desejar, cobrar ingresso para acesso à área delimitada”. Mendes Ribeiro fecha em tempo integral. Gomes bota cerca e cobra ingresso em data marcada. Que tal uma ciclovia como “melhoramento”, com “investimentos substanciais” e, por segurança, fechada? Vai passar o projeto? O governo tem maioria.

      O projeto é tão devastador que tem emenda para diminuir o estrago. Tem emenda da presidente da casa, Mônica Leal, que está longe de ser comunista, para garantir que o ambulante possa “exercer suas atividades sem constrangimento”. Afinal, o “dono” pode não gostar da concorrência. Tem emenda para assegurar que se preserve espaço para idosos praticarem esportes gratuitamente. Tem emenda para que haja espaço livre para passear com cachorros “sem cobrança”. Há que se garantir algum tempo para uso público gratuito de parques e praças. Mas tem emenda para permitir que a privatização temporária nos moldes propostos se aplique a áreas de conservação ambiental.

      O projeto é tão descarado na sua vontade de privatização temporária que o vereador tucano Moisés Barboza se obrigou a apresentar uma emenda ambiguamente corretiva: “Será vedada a cobrança para ingresso nas praças ou parques urbanos concedidos, sendo permitido, porém, que o edital de licitação e o contrato prevejam a possibilidade de cobrança por serviços ou atividades específicas”. Conclusão: não pode cobrar ingressos, mas pode cobrar por serviços praticados em áreas abertas ou fechadas para realização desses serviços ou atividades. Que tal instalar uma academia? Vai ser aprovada a emenda de Barboza? Talvez. E se não for? Mesmo que seja, resolve? Ou apenas maquia o processo de apropriação? Não me lembro de ter ouvido falar de discussão com a sociedade sobre esse ataque aos parques e praças da cidade supostamente em nome da modernização.

Modernidade administrativa ou velha esperteza para tomar conta do que é público? Os investidores estão de olho no Parcão, na Redenção, no Marinha do Brasil e no Harmonia. Tem emenda para obrigar a querer praça na periferia. Adotar, pode. Parquinho e barzinho já tem. Que mais? Cercar e cobrar ingresso. A justificativa do executivo para dissimular a ideologia é uma pergunta: “Está bom assim?” Está ruim. Fica sugerido que se o projeto não for aprovado continuará ruim. Ou seja, a gestão municipal não fará seu trabalho. Chegará o dia em que haverá pedágio em todas as ruas da cidade. Quem não quiser pagar, que fique em casa. Mas saiba que o IPTU vai acabar aumentando.


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