Procurador ouviu Lula por convite

Procurador ouviu Lula por convite

publicidade

Em 2015, publiquei aqui um post sobre uma oitiva de um procurador do MPF com Lula.

Ontem, conversei novamente com o procurador Ivan Marx, que estava surpreso com a condução coercitiva de Lula para depor em São Paulo quando deveria ter primeiro sido convidado.

– Me explique, procurador, Moro queria aparecer? O que acha disso tudo?

Ivan Marx – Não sei. Mas não consigo explicar. Bastava intimá-lo.

– Tem jogada partidária, ideológica?

Ivan Marx – A condição não traz efeitos para a investigação. Ele falou ou não falou da mesma forma que agiu quando foi ouvido por mim. Ter sido conduzido coercitivamente não muda isso. Mas uma foto dele sendo conduzido teria apelo midiático e político. Foi essa foto que eu neguei à imprensa quando o ouvi de forma discreta.

– Foi sobre o quê?

Marx – Eventual tráfico de influência no BNDES, palestras, etc. Nem precisei intimar. Ele se dispôs a ir. Você até escreveu que diferentemente do Curió ele não foi conduzido.

– Lembra a data?

Marx – 15 de outubro de 2015.

– Ele convenceu?

Marx –Não é uma questão de convencer. O investigado pode até ficar calado se quiser. Sobre convencimento, eu não me preocupo em tirar conclusões. Vou puxando pelo novelo e confrontando as provas. O resultado final deve dizer se cabe denúncia ou não.

– Eu sei. Mesmo assim...

Marx – A questão é se há razão para conduzir coercitivamente. Fizemos com isso com o Curió porque reiteradamente ele não aparecia.

– Lembro. O depoimento foi publicado?

Marx – A oitiva vazou em parte. Mas havia compartilhamento com a CPI e garanto que não vazou comigo.

– Como posso ter a íntegra?

Marx – A investigação é sigilosa. Então não tem como conseguir.

Ivan Marx teve a Operação Rodin, no Rio Grande do Sul, sob sua responsabilidade e, mais recentemente, investigou denúncias envolvendo o governador de Minas Gerais Fernando Pimentel. Faz parte dos jovens procuradores que procuram imprimir um novo ritmo a investigações. Perguntei-lhe ainda se eram justas as reclamações de petistas quanto a uma suposta falta de interesse do MP e da PF em investigar denúncias contra tucanos. Ética e elegantemente disse não conhecer os casos e não saber se haveria indícios fortes para sustentar investigaçõe. O que Lula lhe disse sobre suas palestras? Certamente o mesmo que disse para Moro. Por que Lula se recusou a depor para um promotor em São Paulo? Porque Cássio Conserino já havia declarado que o condenaria, tendo feito pré-julgamento.

*

Meu post de outubro de 2015.

O ex-presidente Lula resolveu largar na frente.

Prontificou-se a ser ouvido pelo Ministério Público Federal em relação às suspeitas de que teria feito lobby no exterior para empresas brasileiras financiadas pelo BNDES e financiadores de campanhas políticas. Lula foi ouvido pelo procurador gaúcho Ivan Cláudio Marx. A oitiva durou duas horas e meia, das 11 horas às 13h30. Lula falou bastante, não fugiu de pergunta alguma e insistiu no argumento de que todo ex-presidente de qualquer país anda pelo mundo defendendo empresas da sua nação. O homem é bem preparado, comunica-se como um monstro e sabe tomar iniciativas.

Ivan Marx preparou-se para ouvir Lula.

Não deu mole nas perguntas. Surpreendeu os advogados do ex-presidente com minúcias e questões frontais. Mas garantiu o essencial: o sigilo. Ninguém soube da oitiva antes de ela acontecer. Revistas como Veja estavam de olho. Nessas questões, muitas vezes, o barulho inicial é que o mais conta, a tal da condenação pela execração pública. Ivan Marx ouviu num dia o famoso Curió, símbolo da direita vitoriosa pelas armas, durante a ditadura de 1964, algoz dos guerrilheiros do PCdoB no Araguaia, e Lula, símbolo da esquerda vitoriosa nas urnas, no dia seguinte. Não deixa de ser interessante como experiência antropológica. Lula foi de livre e espontânea vontade. Curió precisou de condução coercitiva. Chegou de cadeira de rodas. Lula falou bastante. Como sempre. Curió foi evasivo.

Lula não admitiu qualquer crime.

Curió confirmou quatro mortes de guerrilheiros – entre as quais as de Raul, Simão e Pedro Carretel.

Eles teriam sido mortos numa tentativa de fuga.

A guerrilha do Araguaia é um caso incrível. Foi preciso um exército para derrotar meia dúzia de gatos guerrilheiros pingados. As famílias não tiveram direito aos corpos. O Brasil do passado recente e do presente inflamado não para de se revolver. Ivan Marx considera bastante difícil tipificar e provar crimes de tráfico de influência internacional como os atribuídos a Lula.

A oposição não se importa com Curió.

Também não se importava com o coronel Ustra, torturador patenteado, que morreu nesta quinta-feira. A oposição só se importa com Lula. Ele é o “guerrilheiro” a ser abatido para que não tente voltar ao combate em 2018. A oposição tem duas balas reservadas: uma para Dilma, outra para Lula, a criatura e o criador. Fiquei com inveja de Ivan Marx: olhar nos olhos de Curió num dia e nos olhos de Lula no outro. Poder sentir a alma de cada um. Não é pouco. Se provas não aparecem, resta a sensibilidade.

Curió e Lula, direita e esquerda, algoz e vítima, não diretamente, mas como símbolos de uma época, de um país, de um tempo que não quer morrer. Quem tem mais a dizer? Quem tem mais a esconder? Curió faz parte de uma história que se quer desenterrar. Lula faz parte de uma história que alguns querem enterrar. Tudo é símbolo. Tudo é mistério. Ivan Marx fala suavemente. Apesar de jovem, sabe que está lidando com coisas graves. Tão graves que vão frustrar as esperanças mais imediatistas.

Não deu foto de capa nem manchete raivosa.

 

 

Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895