Roger tirou racismo do armário

Roger tirou racismo do armário

Treinador deu a real sobre futebol brasileiro

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      Quem não conhece Roger Machado? Ele é treinador de futebol. Dirige o Bahia. Foi ídolo do Grêmio como jogador. Roger é negro. Na série A, – a principal do Campeonato Brasileiro – só tem dois negros como técnicos: ele e Marcão, que está começando a carreira à frente do Fluminense. Treinadores de futebol costumam dar entrevistas robotizadas. Falam de esquema tático, caprichando na sopa de números, 4-4-2, 4-1-4-1, 4-2-3-1 e outros assim. Adoram também figuras geométricas imaginárias: quadrados, losangos e triângulos. Tomam cuidado para não pisar na bola de modo a dar munição aos críticos.

      Como dão entrevistas coletivas duas vezes por semana, após os jogos, estão sempre muito expostos e volta e meia se desentendem com a mídia. Depois da partida contra o Fluminense, ocasião em que os dois técnicos negros vestiram camiseta do Fórum de Observação Racial, Roger deu aula de sociologia aplicada para quem se dispôs a ouvir: "A estrutura social é racista, sempre foi racista. Nós temos um sistema de regras que é estabelecido pelo poder do Estado, das comunicações, da igreja. Quando esses poderes não enxergam ou não querem aceitar e assumir que o racismo existe, que é preciso corrigir esse curso, eles dizem que estamos nos vitimando ou que existe racismo reverso”.

      Acertou, como se diz no futebol, no ângulo, na forquilha, “lá onde o vento encosta o cisco”. Que bucha! Já teria sido o suficiente para fazer dessa entrevista uma das melhores e mais lúcidas já dadas por um técnico de futebol, mas Roger Machado tinha mais bala na agulha. Disparou um petardo de dar inveja aos maiores craques: “O preconceito que sofri não foi de injúria racial. O que sofro é quando vou a um restaurante e só tem eu de negro. Fiz uma faculdade onde só eu era negro. As pessoas podem falar que não há racismo porque estou aqui e eu nego: há racismo porque só eu estou aqui". Segurem essa.

      A história do “racismo reverso” como tática para negar o racismo contra negros é, no Brasil, a mais pura e cruel verdade. Tentativa de contra-ataque para, quem sabe, pegar o oponente desprevenido. Roger mostrou que analisa friamente o contexto brasileiro. Como é possível que tantos negros sejam jogadores de futebol e tão poucos comandem os principais times de um país? Servem para fazer o espetáculo dentro do campo, mas não para “mandar” nos grupos? Quantos presidentes negros já tiveram os grandes clubes brasileiros? O futebol é um dos meios que mais revelam a profundidade do nosso racismo. Torcedores racistas ofendendo jogadores negros povoam os estádios a cada jogo. O negro pode ser craque e ídolo, mas está sempre prestes a ser ofendido.

      Branco que erra é chamado de ruim. Negro quando falha ouve palavras que jamais deveriam ser pronunciadas. Roger Machado tirou o racismo do armário esportivo onde alguns gostariam de escondê-lo, como se fosse possível. Não há democracia racial no futebol. À beira dos gramados, comandando as equipes do primeiro escalão, só dois negros podem ser ouvidos. Marcão é experiência. Roger ainda pode ser o único.

 


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