Selecionamos um imóvel para você
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Saudades da minha tia. Ela trocava impertinente por pertinente. Quando estávamos incomodando, o que acontecia sempre que não estávamos dormindo, ela acabava por se irritar um pouco e soltava o seu bordão:
– Que guri mais pertinente!
João recebeu um telefonema. Era um rapaz com voz firme e impositiva. A conversa começou no melhor estilo não vai dar certo:
– Alô...
– Pois não...
– Quem está falando?
– Com quem gostaria de falar?
Depois desse pequeno solavanco, provocado certamente por um erro de treinamento ou por falta de experiência do rapaz, o ritmo melhorou:
– Aqui é da imobiliária ZW. Temos um projeto especial para o senhor...
– Não tenho interesse.
– Mas o senhor ainda nem ouviu o que tenho a dizer.
– Não tenho interesse.
A ligação esteve por um fio. O corte era iminente. Só não houve a interrupção porque João se atrapalhou com o celular. O rapaz atacou:
– Acontece que selecionamos um imóvel especialmente para o senhor.
– Selecionaram? Para mim?
– Exata e precisamente.
– Incrível. Parabéns pela arte da compreensão a distância.
– Como assim?
– Vocês nem me conhecem e já sabem que eu sou um idiota.
O vendedor confundiu-se por um segundo. Algo não estava saindo bem. Recuperou, no entanto, o fôlego e contra-atacou com otimismo:
– Parabéns ao senhor. Selecionamos um imóvel como sempre quis.
– Eu? De onde tiraram isso? Nunca quis imóvel algum.
– Peço desculpas, senhor, mas preciso seguir o roteiro.
– Neste caso, o autor esqueceu de escrever as minhas falas.
O diálogo acabou aí. A ligação caiu. Na manhã seguinte, João recebeu um telefonema. Era uma moça com voz deliciosamente melíflua:
– Alô.
– Bom dia. Parabéns.
– Opa! Parabéns pelo quê? Não estou de aniversário hoje.
– Acontece que selecionamos especialmente para você um imóvel...
– Ah, não!
– Como assim?
– Não esperava tamanho desrespeito da parte de vocês.
– Da nossa parte? O senhor nem nos conhece.
– Justamente. Nem nos conhecemos e vocês já estão selecionando coisas para mim. Como podem saber dos meus gostos? Andam me espionando?
– Não nos entenda mal. Queremos o melhor para a sua vida.
– Querem o melhor para a minha vida? Mas se nem me conhecem!
Uma semana se passou. João recebeu uma ligação:
– Alô!
– Parabéns!
– Ah, não, de novo não!
– Que é isso, meu filho. Sou eu, tua mãe. É teu aniversário.