Senador apunhalado

Senador apunhalado

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Foi o que exclamou o senador Pinheiro Machado, o homem mais influente da República ao ser apunhalado pelas costas, no Hotel dos Estrangeiros, em 8 de setembro de 1915, no Rio de Janeiro. Que tempos aqueles! O Correio da Manhã, jornal pertencente a Edmundo Bittencourt, que enfrentara Pinheiro Machado em duelo, noticiou o atentado com isenção. O assassino, o padeiro Francisco Manso de Paiva era descrito como “um moço brasileiro”. Nunca se viu maior elegância antes de morrer assassinado: “Ao sentir-se ferido mortalmente, o sr. Pinheiro Machado desceu tranquilamente as escadas e, encaminhando-se para a sala de visitas do hotel declarou estar ferido, sentando-se em uma cadeira, e expirando minutos depois”.

Tudo isso está em “O senador acaba de morrer” (L&PM), livro de José Antônio Pinheiro Machado, também conhecido como Anonymus Gourmet, sobrinho-bisneto do “condestável da República”, em lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre. Em 1968, preso ao participar do famoso congresso da UNE em Ibiúna, interior de São Paulo, o autor foi salvo da tortura ao cair nas mãos de um policial neto do motorista do senador esfaqueado décadas antes. O torturador que não torturou José Antônio era grato ao tio-bisavô daquele que deveria ser torturado por subversão: o homem mais poderoso da República Velha salvara a vida da avó do policial levando-a para a sua casa, um palacete no Morro da Graça, no Rio, e oferecendo-lhe seu médico particular.

Aí as histórias se cruzam. O sobrinho-bisneto redescobre o antepassado ilustre. Passados 50 anos, conta a história desse gaúcho que fugiu de casa adolescente para lutar na Guerra do Paraguai, comandou a temível Divisão do Norte na Revolução Federalista (1893-1895), tornou-se “eminência parda” de presidente da República e figura tutelar da nação. Que tempos aqueles! Narra ainda o Correio da Manhã o ataque mortal ao senador: “O dr. Bueno de Andrade, que não compreendeu, ao primeiro momento, a gravidade do facto, não presumindo que o general Pinheiro Machado houvesse sido ferido, interrogou: – O que quer dizer isso? – Estou apunhalado, respondeu o Senador Pinheiro Machado”. E se acabou. Que mandou matá-lo?

O assassino, o gaúcho Manso de Paiva, tinha 33 anos, estava desempregado e ostentava no currículo a deserção do exército e uma temporada como cabo da polícia. Segundo Nosso Século, “não fugiu nem tentou se livrar da culpa”. Alcançado, “entregou a faca suja de sangue nas mãos de um deputado e esperou a polícia”. Eis tudo: “Preso em flagrante, foi depois julgado e condenado a 30 anos de prisão. Até a morte, na década de 1960, declarou ter agido por conta própria, e não a mando de alguém”. José Antônio Pinheiro Machado reconstruiu a história. Foi aos documentos.

Submetido a exames, interrogatórios e perícias, o assassino disse que o seu gesto “teve influência decisiva do que lia nos jornais sobre o Senador Pinheiro”. Culpa da mídia? Na época, a mídia se chamava imprensa.

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