Spike Lee, o cara

Spike Lee, o cara

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Ainda existem grandes diretores de cinema. Alguns infelizmente estão partindo. A velha guarda perdeu Bernardo Bertolucci na semana passada. Ah, meus vinte anos. Quantas utopias e revoluções! Eu ainda me desalojo da cadeira de casa para ir a cada vez ver os filmes de Woody Allen, Quentin Tarantino e Spike Lee, que uma moça chamava na fila de “Skype” Lee. Não mexo um pé para ver as coisas do endeusado Lars von Trier. Quando ele apareceu, eu ia. Saía do cinema direto para o terapeuta. Ele é criativo, inovador, cheio de teorias, moderno, vanguardista, arrojado. Mas me parece um caso psiquiátrico. Tenho medo da loucura. Spike Lee é outra história. Desnuda o racismo norte-americano sem dó nem piedade. Faz até rir. “Infiltrado na Klan”, que está em cartaz, é comédia da boa. Tragicomédia.

Certas pessoas se colocam dilemas inacreditáveis. A moça hesitava entre “Skype Lee” e Danilo Gentilli, cujo novo filme já se destaca como um dos piores de todos os tempos na cinematografia mundial. Não é pouco. Requer competência. O primeiro, segundo a crítica, foi ruim. O segundo, garantem os especialistas na área, bate facilmente o produto da estreia. Um filme que tem um cocô que sai do vaso para atacar alguém deve ser estudado em laboratório como experiência sociológica e estética características de uma nova era. Esqueçamos. Foram quatro linhas perdidas.

Faço parte de um reduzido número de pessoas, certamente em extinção, que vai ao cinema toda a semana e não come pipoca. Não fosse pomposo e talvez esotérico eu diria que se trata de uma questão ontológica. Dia desses, quem sabe, falarei disso. Por enquanto, fico no trivial: preciso estar concentrado para acompanhar o filme. Suporto estoicamente a pipoca do vizinho. Um democrata convive com a ideologia e a pipoca do outro. Eis o que define radicalmente as democracias securitárias iliberais: o direito a querer suprimir certos direitos e o tamanho do pacote de pipoca.

Spike Lee pega touros pelos chifres e dança. Poder branco e poder negro continuam em confronto na “América”. Donald Trump tentou acobertar o racismo quando de episódios que ensanguentaram as ruas dos Estados Unidos. O novo filme de Spike Lee tem um policial negro infiltrado nas hostes da organização racista branca Ku Klux Klan. Uma história real. Pela ousadia, o diretor e sua obra ganharam o Grande Prêmio do júri do prestigioso festival de Cannes, na França. Spike Lee aproveitou o triunfo do filme para dizer algumas palavrinhas sobre Donaldo Trump, um dos seus assuntos prediletos: "Nós temos um cara na Casa Branca, eu nem vou pronunciar o maldito nome dele (...) ele tem o código nuclear! Não é ficção científica, esse fdp tem o código nuclear, mas o que está acontecendo!” Que tal?

Pau puro. O negro Spike Lee nasceu em Atlanta. Cresceu no Brooklyn. Fez da própria vida uma obra de arte no combate ao racismo. Fez uma penca de filmes que tratam de “paradas quem rolam por aí”. Tudo soa verdadeiro. Sempre que algo soa verdadeiro em arte vai direto ao coração das pessoas.

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