Sublime Marcel Proust

Sublime Marcel Proust

Há 150 anos nasci um dos grandes da literatura mundial

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      O país pegando fogo e o cara vem falar de um francês, esse Marcel Proust. Está sem assunto? Acontece que esse Marcel Proust, um dos maiores escritores de todos os tempos, talvez o maior do século XX, nasceu há exatos 150 anos, em 10 de julho de 1871. Quando se percebeu escritor capaz de realizar algo monumental, que seria “Em busca do tempo perdido”, trancou-se num quarto, blindado contra ruídos, e não saiu mais. Oriundo de uma família abastada, frequentou a alta sociedade, viajou e se sentiu pronto para viver a grande aventura da criação literária: contar a vida como uma rememoração infinita.

      A frase inicial da sua obra-prima é uma das mais famosas da literatura: “Durante muito tempo eu me deitei cedo”. Não menos famosa é a imagem que abria ao protagonista de Marcel Proust o caminho das evocações: molhar um biscoito, uma bolachinha (Madeleine), numa taça de chá: “E, de repente, a memória se revelou. O sabor foi a do pequeno pedaço de madeleine das manhãs de domingo em Combray. Quando eu ia para dizer bom dia para ela em seu quarto, minha tia Léonie costumava me dar, mergulhando-o pela primeira vez em sua própria xícara de chá ou tisana. A visão da pequena madeleine não tinha me recordado nada até eu prová-la. E tudo a partir de uma xícara de chá”. Genial.

      Gay e de saúde frágil, Marcel Proust faria da literatura um estilo de vida. Mario Quintana foi um dos seus tradutores no Brasil, para a lendária casa gaúcha Editora Globo. Por que Proust foi tão grande? Ele chegou a ser recusado pela grande editora Gallimard. Em 1912, o renomado escritor André Gide, editor na Gallimard, ao ler essa página sobre a xícara de chá, no manuscrito do jovem autor, devolveu o original como incompreensível e chato. Proust pagaria a primeira edição na Grasset. A Gallimard, de resto, recusou James Joyce como obsceno, Céline por prolixidade e outros por chatice. Eis um consolo para quem é rejeitado pela Companhias das Letras e pela Todavia. Gide confessou ter sido esse o maior erro da sua vida. Acertou em cheio.

      Proust foi grande pela sutileza, pela precisão nos detalhes, por reconstituir uma época por meio das lembranças do personagem e por fazer da narração um sussurro, sem ênfase nem grandiloquência. Quem se importa com isso na época das redes sociais? A minha leitora octogenária sofisticada e apaixonada pela grande arte. Também ela toma chá com bolachinhas, como eu todas as tardes, e se lembra do que viveu quando a Globo reinava e os escritores passeavam na rua da Praia.

      Fico com o espelho Proust: “Os que produzem obras geniais não são aqueles que vivem no meio mais delicado, que têm a conversação mais brilhante, a cultura mais extensa, mas os que tiveram o poder, deixando subitamente de viver para si mesmos, de tornar a sua personalidade igual a um espelho, de tal modo que a sua vida aí se reflete, por mais medíocre que aliás pudesse ser mundanamente”.  Edgar Morin, ao completar cem anos, por e-mail, declarando seu apreço por Proust: “Por sua arte e pela complexidade dos seus sentimentos”.

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Triste: faleceu José Ernani de Almeida, professor, intelectual, amigo de Passo Fundo, profundo conhecedor da MPB. Grande perda.


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