Teimosa fardada em tempos de verdade

Teimosa fardada em tempos de verdade

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– Não aceitamos. É puro revanchismo.

Assim pode ser resumida a posição de militares em relação ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que entregou seu relatório à presidente Dilma há poucos dias. Enquanto outros países punem ditadores e torturadores, o Brasil insiste em protegê-los com a Lei da Anistia, uma anistia em benefício próprio concedida para salvar a pele dos responsáveis pela barbárie verde-amarela e proteger seus esbirros. Tudo no Brasil aconteceu porque os militares deram o primeiro passo derrubando um presidente legítimo em nome de uma ameaça fantasmagórica, o comunismo, insuflada pelos Estados Unidos e pela mídia.

– Se os Estados Unidos torturam, por que nós não?

Esse poderia ser o lema dos que continuam a justificar os engenhosos dispositivos de tortura ensinados aos brasileiros pelo americano Dan Mitrione, que os tuparamos uruguaios fizeram a cortesia de despachar para o além. Meu amigo e colega Rogério Mendelski conta que cobriu para o jornal O Estado de S. Paulo a passagem de Mitrione por Porto Alegre, onde ganhou um mimo ao final do seu trabalho, um relógio que usaria até o dia do seu assassinato no Uruguai. Dan ensinou policiais gaúchos a praticar o que o CIA ainda chama de “técnicas de interrogatório intensificado”. Esse eufemismo técnico tem sido traduzido no mundo inteiro com uma palavra: tortura. Uma das suas formas, amplamente aplicada numa Brasil, é o pau-de-arara.

– A causa era boa – dizem as viúvas da ditadura.

– O comunismo rondava – insistem.

Até a igreja católica vem admitindo seus erros. O Papa Francisco, talvez por ser argentino, não tem dado guarida a pedófilos. A Argentina mandou generais ditadores para a cadeia. Militares brasileiros continuam a teimar com a proteção do STF.

– Não fizemos nada de mal – dizem uns.

– Só agimos pelo bem do Brasil – completam outros.

– E os crimes dos terroristas?

Fingem ignorar que, salvo casos raros, os que resistiram à ditadura foram julgados e condenados pelo Superior Tribunal Militar. Ou foram presos, torturados, exilados ou executados em emboscadas. O relatório da Comissão Nacional da Verdade é até complacente. Cecília Coimbra, do Tortura Nunca Mais, detonou: "É importante responsabilizar, sim. Só que mais importante seria saber: onde aconteceu e como aconteceu? Essas perguntas não foram respondidas. Também não sabemos o que aconteceu com os desaparecidos. Esta história está sendo contada de acordo com os interesses das forças que estão no poder”. Até a presidente Dilma Rousseff parece mais interessada em botar panos quentes. O STF, porém, está rachado. Se os ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes consideram a questão da Lei da Anistia superada, os seus colegas Ricardo Lewandowsky e Luís Roberto Barroso não escondem que aceitariam revisar o passado.

– Tem que punir os dois lados – defendem-se os amigos da ditadura.

É um discurso malandro. Um lado foi punido. O outro ainda passeia tranquilamente, até pelas ruas de Porto Alegre, sem qualquer sanção. Encorajados pelas práticas americanas em Guantánamo muitos saem do armário e, de peito estufado, defendem o terrorismo estatal:

– Certos fins justificam certos meios – alegam candidamente.

 

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