Teoria tropical do julgamento

Teoria tropical do julgamento

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Há uma lei da ideologia: o interessado só vê o seu interesse.

Por ideologia, cada vez mais, se entende a deformação do "real" pela lente interessada.

Na contramão, atuam elétrons livres como eu tentam dar coerência ao que parece não ter.

Qual o princípio sustentado pelos defensores do impeachment de Dilma Rousseff?

O combate à corrupção (estelionato eleitoral infelizmente não é crime e não é base legal para impeachment, sem contar que, se fosse, derrubaria praticamente todos, de prefeitos a governadores. Quem não descumpriu alguma promessa de campanha que atire o primeiro voto pelo afastamento do adversário).

Se o combate à corrupção é a base de tudo, o princípio dos princípios, como se justifica que os defensores do impeachment não batam panelas contra Temer e seu ministério de citados por delatores?

Dilma Rousseff, que eu saiba, ainda não foi acusada diretamente de ter pedido ou recebido dinheiro indevido.

Não duvido que venha a ser.

Michel Temer já foi acusado quatro vezes: por Eduardo Cunha, em conversa com o empreiteiro Léo Pinheiro; por Sérgio Machado; por Marcelo Odebrecht; e no caso do Porto de Santos em ação que envolve uma certa Erika Santos.

Na busca da coerência, surge um problema lógico: os senadores afastarão uma presidente acusada nos autos de crime administrativo (pedaladas e decretos de suplementação orçamentária) e entronizarão um presidente acusado de participação em operações que no imaginário popular, inclusive dos defensores do impeachment de Dilma, são tratadas por ladroagem? O crime menor resultará em pena capital; o crime maior será absolvido sem julgamento?

O impeachment de Dilma blindará Michel Temer, que não poderá ser investigado por atos praticados atos antes do seu mandato. Os senadores não funcionam com lógica de causa e efeito? Ou não se importam com isso?

Na teoria tropical do julgamento, o denunciante vira investigador, acusador formal e juiz.

Dizer que o impeachment é político, em vez de julgamento jurídico por políticos, institucionaliza o golpe.

O julgamento jurídico exige a prova do crime.

O julgamento político contenta-se com a vontade de condenar.

O julgamento jurídico requer o pressuposto de um juiz desinteressado, acima da causa que julga.

Todo aquele que julga por uma acusação e condena por outra, trapaceia.

Na teoria tropical do julgamento, processo e júri fazem parte de uma encenação.

Uma comédia de (maus) costumes.

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