Tigre branco

Tigre branco

Filme mostra o avesso do imaginário sobre a Índia

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      Filme de Ramin Bahrani, disponível na Netflix, “Tigre branco” tem dado o que falar. Ele se posiciona numa espécie de diálogo com um grande sucesso, “Quem quer ser um milionário?” O que dizer? Bom filme. Ou, sem alterar o julgamento, triste, terrível, cínico, assustador, tenebroso. O imaginário místico orientalista nunca me seduziu. A imagem que tenho de países como a Índia é a de um oceano de desigualdade domesticada por complexos mecanismos de controle social, como as famigeradas castas, detonadas em “Tigre branco”, no qual o protagonista, pertencente a uma casta baixa, quer ser serviçal a todo custo, até aprender que o jogo é sujo. Acaba assinando uma confissão para acobertar um crime da patroa.

      O Brasil certamente não é grande coisa comparado à Índia em se tratando de pobreza e justificação da desigualdade. As imagens de “Tigre branco” são cruéis. Os “inferiores” praticamente lambem os pés dos “superiores”. A grande filosofia é cada um admitir ruminando o seu lugar na escala social feita para regozijo dos privilegiados e aceitação passiva dos nascidos na “escuridão”, conforme a terminologia do filme. Os “de baixo” vivem, segundo esse palavreado, num galinheiro. Já viram galinha voar? Claro que tem tentativa de rebelião e discurso demagógico de igualdade. O filme mostra o triunfo da corrupção. O suborno corre solto na política e nos negócios. O cara estuda nos Estados Unidos e volta para casa cheio de ideias democráticas e igualitárias. O choque é brutal.

      Ao final, uma lição. Num lugar assim só se ascende pelo crime ou pela política. Parece ser o mesmo. Num cenário de contrastes, cheio de miséria e de inovação tecnológica, com as palavrinhas da moda como terceirização e diversificação, “Tigre branco” mostra todo mundo tentando sobreviver a qualquer custo, uns sugando impiedosamente os outros, tradição e modernidade se alternando e completando na tarefa de impor absurdos e tirar tudo o que for possível de cada um. É salve-se quem puder, como puder, sendo puxado por tentáculos para trás e supostamente para a frente pelas famílias, por startups, por ídolos e por mafiosos.

      “Tigre branco” não pode ser acusado de etnocêntrico. Adaptação de um best-seller do indiano Aravind Adiga, sugere que o empreendedorismo pode gerar novos servos. Moral universal do filme: a Índia se divide em duas grandes castas, a dos que têm e a dos que não têm. Moral local da história: poucas culturas construíram tão fortemente um sistema de justificação dessa separação. O submetido quer ser como uma “esposa” para o patrão quando este é abandonado pela mulher. Ele foi ensinado a ter alma de “criado”. Esse é o grande desafio: como se libertar da ideologia introjetada sob a forma de costume, filosofia de vida, tradição?

      Na boa, “Tigre branco” não é divertimento. Melhor ver com um Rivotril por perto. Salvo para quem gosta de filmes como “Parasita”. Odiei esse filme. Recomendo a todos. Uma aula de sociologia da cultura. Não sendo um documentário, com ares de fábula, bate no fígado e ainda sorri.

 


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