Um ano que começa em janeiro

Um ano que começa em janeiro

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Ao sabor das ondas

 

      Cada época tem suas imagens, suas metáforas, suas figuras de expressão, suas maneiras coloridas ou sombrias de pensar a vida a cada final de ano. A imagem do rio é uma delas. Queremos molhar de novo nossas mãos em águas que nunca são as mesmas embora jamais deixem de ser aquelas que se foram e voltaram presas no ciclo da natureza. Andamos em círculos ou na reta que corta a esfera rumo ao (in)finito.

Eu me imagino num tempo em que homens se faziam ao mar em busca de aventuras, de riqueza ou de liberdade. Eu me vejo num navio de fortuna tentando dobrar o cabo Bojador, onde quase todos naufragavam. Cheguei a cunhar esta frase: só há verdadeira navegação quando há possibilidade de naufrágio. Então me ponho a pensar na manhã que avança, como um marinheiro que já não balança ao sabor das ondas bravias, no que ficou para trás, no que temos pela frente e nos naufrágios que podemos enfrentar em nossas navegações de cabotagem.

Uma ideia, porém, me alerta: a vida é sempre uma navegação em mar aberto. Nunca estamos livres definitivamente de algum cabo Bojador. Cada esquina é um rochedo. Cada dia, uma promessa e um desafio. Cada ano, uma travessia. Cada gesto, um desfraldar de velas. Por algum tempo, temos a sensação de que dominamos tudo, fazendo de cada perigo uma Boa Esperança. Quando descobrimos um rio generoso nos confins do mundo, sem saber o que ele nos dará, podemos batizá-lo de Bons Sinais para, quem sabe, exorcizar os nossos medos. Quando, no entanto, adoecemos, alguém grita do alto do mastro: “Homem ao mar”.

Os homens que morriam como moscas no tempo das grandes navegações viajavam em modernas embarcações toscas e invejáveis. O tempo é cruel com aquilo que supera. O passado é sempre um barco a deriva quando visto com as lunetas do futuro. O que nos tornaremos no pós-humano absoluto das viagens espaciais? Outro dia, uma sereia me segredou: “Só existem três assuntos importantes para um marinheiro: o mistério da vida, a direção dos ventos e os segredos da morte”.

Os anos passam como viagens em torno do mundo. Os homens têm sede e fome de mistério, de fantasia, de imaginação e de evasão. Sonham com terras desconhecidas e oceanos sem fim. Arriscam-se escalando inutilmente os picos mais elevados. Arrojam-se no vazio em busca de emoções profundas. Amam o perigo como forma de superação. Ao final de cada ano, contabilizam perdas e ganhos, portos e vitórias, medos e conquistas, imagens e lembranças, amores e esquecimentos.

Surge uma preocupação tão devastadora quanto um Bojador mortífero: o que será do desconhecido numa época em que o Google mapeia tudo? O que será da diferença quando as mesmas marcas povoam todas as lojas por toda parte? Para que viajar se nada de singular será encontrado depois de horas de deslocamento? Felizmente, por enquanto, algo escapa da globalização e da mesmice. Somos navios singrando mares nunca dantes navegados, os mares sagrados das nossas existências tão particulares quanto universais, mas não globais.

– “Vela, vento, mar...”

Que os ventos de 2018 soprem suavemente.

O ano, excepcionalmente, começa em janeiro com o julgamento de Lula no TRF-4.

Julgamento político ou técnico?

A essência da justiça é técnica ou política quando julga políticos?

É o que veremos.

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