Volta às aulas presenciais

Volta às aulas presenciais

A hora é agora ou o perigo da retomada é grande?

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            O jornal O Globo de hoje traz esta manchete: “Covid-19: Estudo de Harvard aponta que crianças têm alta carga viral e podem ser mais contagiosas do que adultos”.

A linha de apoio diz: “Pesquisadores alertam para risco 'significativo' da reabertura das escolas, contrariando tese de que os menores são menos suscetíveis à doença”.

Um destaque alerta:  “Se precauções adequadas não forem adotadas quando os alunos voltarem à escola, as crianças podem causar a próxima onda da pandemia de Covid-19”

ALESSIO FASANO E LAEL YONKER

Pesquisadores de Harvard

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O que deve dizer um colunista diante disso?

O que deve fazer uma autoridade pública?

O que podem pensar pais e professores?

A sociedade pode nos proteger de nós mesmos. Basta pensar na obrigatoriedade do uso do cinto de segurança.

Universos se confrontam: a necessidade de socializar as crianças em ambiente escolar sem uma interrupção muita longa; os imperativos econômicos que podem levar a uma quebradeira de escolas particulares; e a necessidade imperiosa de proteger a vida contra qualquer risco.

Haveria como equilibrar todos esses elementos?

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Seria impertinente (não pertinente) esta reflexão?

 Pais, professores e alunos têm razão: não é hora de voltar a aulas presenciais. Nada autoriza. A racionalidade manda o contrário. Não derrubamos a curva de infecções e de mortes. Na melhor das hipóteses, estamos num platô elevado. Ainda vai levar tempo até que possamos respirar aliviados. Por que a pressa? Sabemos que escolas privadas sofrem. O Estado (União) precisa ajudá-las a sobreviver durante a travessia do deserto. Expor crianças em nada ajuda. Se pais, alunos e professores não querem a volta, quem a defende? No Esfera Pública, na Rádio Guaíba, há uma semana, o secretário estadual da Educação, Faisal Karam, considerou que o ideal é continuar no ensino remoto. Se ele pensa isso, quem obriga o governador a propor a volta?

      Não tem kit salvação para ser distribuído. Não vamos enviar um pacotinho de cloroquina e de ivermectina para que discentes e docentes se “imunizem” antes das aulas. Se, por agora, o fundamental é ficar em casa, como colocar na rua crianças, pais e professores em massa? A dificuldade de realizar adequadamente o ensino a distância é conhecida. Faltam recursos e preparação. Manter a atenção dos pequenos em aulas virtuais não é tarefa fácil. Essas constatações não parecem, contudo, suficientes como argumentos para abrir a guarda. Outros países só flexibilizaram as restrições sanitárias contra o coronavírus depois da obtenção de resultados claro de controle sobre a epidemia. O Brasil fez, como sempre, diferente. Adotamos a abertura por tédio, cansaço, indiferença e ignorância. Apostamos no salve-se quem puder.

      Este ano, do ponto de vista presencial, talvez deva ser considerado liquidado para a educação, salvo reviravolta extraordinária, algo como uma queda abrupta de contaminações e mortes. Se famílias precisam de lugar para deixar os filhos enquanto vão trabalhar, a hora é de receber ajuda pública para isso. É possível planejar auxílios e estratégias eficazes. Nada do que está sendo dito é original ou extremista. Apela-se ao bom senso, à razoabilidade e à racionalidade. Há perigo na esquina. Não vá. Essa leitura da situação não pode remeter a opções políticas e ideológicas. Deputados de partidos de direita, centro e de esquerda têm coincidido na defesa da cautela. Ontem, Issur Koch (PP), Gabriel Sousa (MDB) e Jeferson Fernandes (PT) sustentaram posições semelhantes para nós.

      Por que o governador se sente pressionado? Segundo Margarete Ferreti, presidente da Granpal, a associação dos prefeitos da Grande Porto Alegre, os 16 gestores municipais da região metropolitana estão de acordo quanto à impossibilidade de retorno às escolas neste final de agosto. Parece um mistério: se todos, ou quase todos, são contra a retomada, quem tem força para impô-la? Não se trata de diabolizar um pensamento de divergente, mas de inseri-lo no contexto geral. Pesquisas com pais e professores mostram resultados acachapantes contra o reinício das atividades presenciais. Não seria o caso de ouvir e atender a demanda dos principais interessados? O risco não é maior do que o benefício possível? E se uma só criança adoecer?

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Esse estudo de Harvard deve ser considerado ou deve ser visto como apenas mais uma pesquisa alarmista a ser descartada daqui a pouco?

Refletir sobre esses aspectos é uma obrigação ou uma declaração de guerra a quem, como gestores de escolas privadas, pensam diferente e entendem que se pode retomar aulas presenciais com segurança?

Cada leitor que decida.


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