Dez livros que você devia ter lido em 2014

Dez livros que você devia ter lido em 2014

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Por Luiz Gonzaga Lopes

Escolher os dez melhores livros do ano é um desafio e tanto. Primeiro porque as listas são mais excludentes do que inclusivas. Segundo porque não há como ranquear livros, apesar do que eu chamo de listismo ser um fenômeno bem anglo-saxão, que os britânicos e norte-americanos levaram a cabo com maestria no século passado e que persiste no que está chegando a década e meia do século 21. Mas vamos aos dez mais da literatura no ano para o blog Livros A+, segundo os critérios deste leitor e com análises sintéticas e não sintáticas dos porquês das escolhas. Vale lembrar que alguns destes livros foram lançados em 2013, mas tiveram vida útil em 2014. Resolvi não batizá-los como os melhores, mas sim os livros que você devia ter lido. Se já leu os dez e gostou, veja os pontos de congruência. Se não gostou de algum deles, atire a pedra que a gente mata no peito. Então, posso falar com certeza que estes são os dez livros que você devia ter lido em 2014, amigo leitor inveterado ou não.

 

1º - Diário de Inverno, Paul Auster (Companhia das Letras) - Tradução de Paulo Henriques Britto 

Como melhor livro do ano, Paul Auster normalmente será candidato a tal posto quando algum livro dele for lançado. Esta é a minha mais subjetiva tirania ao criar uma lista dos cinco mais, pois não há o que não haja para a escrita sistemática, confessional e casuística (no sentido próprio do acaso) de Auster. Ao entrar no inverno de sua vida, o maior escritor norte-americano vivo (que me desculpem os fãs de Philip Roth, Don de Lillo, Saul Bellow e outros), resolveu novamente se autobiografar. Com “Diário de Inverno” (Companhia das Letras, E fez o verão dos seus leitores com o inverno de sua vida, com mais um diário desregrado, coberto de pequenas tragédias e grandes lições familiares e da vida e mais uma vez desgradaçamente verdadeiro, como havia sido "A Invenção da Solidão" e o grande ensaio de per si "Da Mão para a Boca".

A frase do escritor francês Joseph Joubert, escrita em 1815, serve de baliza para uma das assertivas austerianas: "Há que morrer adorável (se possível)". Auster envelheceu junto com Quinn, Mr. Black, Hector Mann e outros personagens memoráveis da sua tessitura. Mas neste "Diário de Inverno", livro que foi lançado em 2012 na Europa e Estados Unidos e no segundo semestre de 2014 no Brasil, Auster consegue novamente se colocar na segunda pessoa do singular e dissecar o seu mundo, a matéria tangível, vivenciada dos seus escritos. A autor metaficcional ou autoficcional indireto explica algumas histórias que surgiram ao acaso e que o impeliram a escrevê-las, como a ligação por engano para o escritório de detetives em sua casa, a gênese de Cidade de Vidro, onde Quinn recebe uma ligação de alguém que quer falar com Paul Auster, da Agência de Detetives Auster. Nas autobiografias e ensaios autobiográficos anteriores, o autor natural de Newark, New Jersey, em 1947, que vive no Brooklyn, tratava muito da relação com o pai, um homem soturno, cuja mãe havia matado o marido, o avô de Auster (A Invenção), e também o período em que esteve em Paris no final dos anos 1960, com uma visita a Dublin de Joyce, o que ele chama de Fracasso Inicial, pois a trajetória dele não tinha muita semelhança com a dos escritores que admirava (Da Mão para a Boca). Nesta obra, é visível a preocupação com a finitude, com o autor expressando muito da sua relação com as pessoas, principalmente com a mulher Siri Hustvedt, com quem protagonizou um terrível acidente de trânsito na Quarta Avenida, em Nova York, em que escaparam ilesos ele, Siri, a filha Sophie e o cão Jack. Auster sempre será a sua própria ficção. Um dos destaques do livro é o inventário dos 21 endereços fixos desde o nascimento em 3 de fevereiro de 1947 no Beth Israel Hospital, em Newark, New Jersey, até o atual (na época em que ele escrevia era 2011, da página 59 até a 108) em Park Slope, no Brooklyn, em Nova York. A autoficção em sua essência e por isso Diário de Inverno é o melhor livro do ano para o blog Livros A+. A lamentar sempre a demora do lançamento dos livros dele no Brasil, que chegam sempre dois anos depois da Europa e Estados Unidos, como já havia sido o caso de Sunset Park.

 

2º - Dostoiévski-Trip, de Vladímir Sorókin (Editora 34) - Tradução de Arlete Cavaliere 

Este livro está no segundo posto do ano pelo simples motivo de o autor conseguir uma obra que beira à perfeição enquanto escolha narrativa. O vanguardista russo que teve seus textos banidos durante o regime soviético esteve na Flip e mostrou todo o seu medo de que Putin se revele mais perverso e ditador que Stálin. Fora isso, criou uma obra que brinca com a drogadição, comparando a literatura a drogas consolidadas e experimentais. Cinco homens e duas mulheres estão na fissura por mais drogas, que no caso são livros ou autores. Céline, Genet e Sartre são drogas que deixam os usuários tensos. Faulkner e Hemingway são consumidos por halterofilistas ou caras que cultuam o corpo. Mas eles vão se deparar com uma droga experimental e mais pesada: Dostoiévski. Após ingeri-la, eles acabam dentro de uma cena de "O Idiota". Tudo anda conforme o script até que a droga começa a fazer efeito e eles tecem longos monólogos carregados de drama, sarcasmo e um niilismo. Um livro que aproxima o Dostoiévski do século 19 com o mundo veloz e junkie, mas que propõe que o autor russo pode ser uma leitura/droga demasiada pesado para este superficial e virtual mundo do século 21.

 

3º - Vou lhe Mostrar o Medo, de Nikolaj Frobenius (Geração Editorial) - Tradução de Eliana Sabino 

Já que os mestre Dostoiévski mexeu comigo no livro anterior, por que não trazer outro dos meus preferidos, Edgar Allan Poe, em uma versão que deu um fôlego e criou uma Poemania pelo mundo. O livro do dinamarquês Nikolaj Frobenius, assim como o conto El Perseguidor, de Julio Cortázar, reconstrói a relação de admiração e ódio entre Poe e o seu mais feroz crítico Rufus Griswold, mostrando toda a penúria e genialidade de Poe, com o adendo de um personagem novo, um albino que foi amigo de Poe até o início da vida adulta, Samuel,  e que começa a cometer crimes recriando os contos de Poe, como O Assassinato na Rua Morgue, Beatriz ou A Queda da Casa de Usher. O livro acabou impulsionando Hollywood a plagiar o dinamarquês, com o filme O Corvo, com John Cusack, e a série The Following, com Kevin Bacon, todas com o mesmo plot.

 

4º - Opisanie Swiata, de Veronica Stigger (Cosac Naify) 

Está na lista por seu um livro bem escrito, construído em um formato polifônico e que acaba fazendo referências a grandes nomes das artes plásticas e literatura. Um pai, Opalka, que vive na Polônia, recebe a notícia de que o filho que ele nem sabia da existência, Natanael, está à beira da morte no Brasil. A viagem de Opalka desde a Polônia até a América do Sul, primeiro de trem e depois de navio, nos anos 20, e as histórias que surgem na relação com as pessoas que surgem pelo caminho, principalmente Bopp, que pode ser o poeta modernista Raul Bopp, bem como Opalka pode ter semelhanças com o artista plástico polonês. A Descrição do Mundo do título em polonês do livro de Veronica é garantida pelo jogo epistolar e de capítulos alternados em que ora há um narrador convencional e ora há anotações de Opalka para um livro dedicado a este filho que não conhece e que ele deve correr contra o tempo para encontrá-lo com vida. Narrativa longa e fragmentada e que vem colhendo premiações pelo país como o Açorianos e São Paulo Literatura.

 

5º - Dia de Matar Porco, de Charles Kiefer (Dublinense)

Só o fato de Charles Kiefer ter retomado a narrativa longa após 12 anos já é por si só digno de um olhar mais prescrutador. Outro aspecto importante é ele ter sido um dos únicos autores que lançou realmente o livro na 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, com sessões de autógrafos no supersticioso e excêntrico dia do aniversário, 5 de novembro. Duas festas numa só, autógrafos e 56 anos completados. Mas tudo isso não seria nada se abríssemos o livro e lá não estivesse a marca de Kiefer. Ela está lá. A aridez e o jogo metafórico com camadas quase imperceptíveis, a serem descortinadas, da sua estrutura textual, revelam o autor maduro tratando de uma experiência vivida autobiograficamente, a de quase-morte, mas muito bem ficcionalizada por este professor doutor em Letras de Três de Maio. Kiefer nos oferece um personagem bem erigido, o advogado Ariosto Ducchese, que é natural da mítica Pau D´Arco, pelo menos na obra de Kiefer. Nesta experiência de quase-morte, ele vê a sua mãe morta e resolve voltar à cidade natal para desvendar um enigma do passado e nesta volta recorda de alguns fatos, como o ritual de iniciação do carnear o porco, que é um dia de contato com a dor e com a resistência à morte, mas também de festa. Esta volta ao passado desvela segredos e coloca Ariosto no coração dos erros cometidos dentro da família gerada por Dante e Beatriz. Kiefer acertou o tom, coloca camadas e referências que vão da Cabala à Ray Bradbury e Wittgenstein e é capaz de edifícações verbais como estas: "Escrever é como matar um porco. É preciso ferir o coração do real, submetê-lo a nossa vontade, dizer a ele o que ele foi, e depois esquartejá-lo, expor as suas vísceras, valorizar este ou aquele pedaço, transformar a pele e as mantas de gordura em torresmo, e os miúdos em salsichas e salames".

 

6º Meia-Noite em Bhopal, de Javier Moro e Dominique Lapierre (Planeta). Tradução de Sandra Martha Dolinsky

Os motivos que levaram este livro ao sexto posto no blog passam pela bela recriação ficcional da história da tragédia no coração da Índia, em Bhopal, em 1984, quando um vazamento de pesticida da Union Carbide matou 30 mil pessoas e feriu mais de 500 mil, tendo suas consequências até hoje. Javier Moro, que esteve em Porto Alegre em novembro durante a Feira do Livro (mediei a fala dele no dia 14), consegue criar um clima crescente que fala da pobreza indiana, do descaso das autoridades e da pouca valia de vidas naquele país asiático. Um livro para ser lido e para servir de exemplo. O madrilenho Javier Moro tem o costume de passar no mínimo três anos nos países que serão objetos de seus livros ou ainda o mesmo tempo pesquisando em arquivos oficiais e documentos dos países, como o fez para os livros "Caminhos de Liberdade" sobre a trajetória da família do seringueiro Chico Mendes e "O Império é Você" sobre o lado B de Dom Pedro I, ambos editados pela Planeta.

 

7º Edu Lobo - São Bonitas as Canções - uma biografia musical por Eric Nepomuceno (Edições de Janeiro)

A biografia oficial de Edu Lobo que tem a marca da escrita fina do jornalista Eric Nepomuceno tem todas as principais histórias que envolvem Edu Lobo, este compositor que participou de todos os principais momentos da música brasileira desde o início dos anos 1960 até os dias atuais, hoje um pouco menos. A primeira história incrível é o Gênesis Edulobeano. O primeiro capítulo intitulado Uma Noite, um Violão, conta como numa tarde incerta do verão de 1962, a amiga de Eduardo Goés de Lobo, Olivia Leuenroth convidou Edu para uma reunião na casa do pai Cícero (filho do fundador da primeira agência de publicidade brasileira, Ecletica), fundador da agência Standard, em Petrópolis.  "Sabe quem vem aqui em casa hoje? O Vinicius! Vamos fazer uma reuniãozinha para ele". Edu tinha dezenove anos, estudava Direito e violão. No papo vai-e-vem da noite, a roda de violões foi se formando e o jovem Edu mandou ver numa música própria gravada num compacto ainda inédito. Vinicius de Moraes logo perguntou: "Vem cá, será que você por acaso não tem algum samba sem letra?". Edu mostrou o samba e se iniciou uma das mais prolíficas parcerias da Bossa nova e da MPB. É um livro que falta das músicas premiadas do bicampeão de festivais,  desde Arrastão (Edu Lobo e Vinicius de Moraes, 1965) e Ponteio (Edu Lobo e José Carlos Capinam, 1967, seguindo depois com as parcerias com Tom Jobim e Chico Buarque entre outros. Num outro capítulo, Notas Pessoais, a parte mais confessional da biografia, a relação dele com o pai, o compositor e jornalista pernambucano Fernando Lobo (1915 -1996), autor de músicas como Chuvas de verão (1949), que nunca foi íntima, foi mais para distante, mas teve alguns bons momentos.  O capítulo Ainda música tem um pouco do dia a dia e também o lado gastronômico, os risotos e a imitação que ele gosta de fazer de Tom Jobim, que Edu Lobo fez com parcimônia durante a mesa com ele e Cacá Diegues, na 12ª FLIP, em Paraty, em julho de 2014.

 

8º A Vaca Azul é Ninja - Uma Vida Entre Aspas, de Jéferson Assumção (Libretos)

A Vaca Azul é Ninja começa no distante ano de 1994. Vinte anos mais moça, a Vaca era um ser impetuoso, transbordante e poético que vagava filosofando por Canoas, por lugares como a rua 15 de Janeiro, os inúmeros locais de xis e o postinho AM PM. Com este livro, a Vaca voltou mais madura, morando na Fazenda Nova Iasnaia Poliana, no interior de Bagé, com seu rebanho de especialistas no comportamento bovino humano. Ela reecontra Jey Jey, que representa o senso comum, o questionamento à filósofa que resolveu partir para a porrada nos marombados, microfunkeiros, críticos de arte e empresários com seus ternos e gravatas obcurantistas. Com a mudança de pensamento da Vaca, baseada nos principais textos da filosofia desde o século 4 até os dias atuais. São mudanças culturais, políticas,  tecnológicas, econômicas e sociais pelas quais o Brasil e o Pampa passaram. Após estudar os livros "Artes Marciais - Ninja - Os Segredos da Invisibilidade", de Ashida Kim, "Tortura - Instrumentos Medievais", de Franco Gentili, o seu plano de agredir, baixar o cacete nestes pseudo-intelectuais ou subgêneros humanos e culturais acaba se consolidando. A ansiedade e a confusão mental da leitura filosófica com os livros de artes marciais e tortura acaba criando paródias divertidíssimas de grandes obras da filosofia, como "A Vaca e o Nada" (O Ser e o Nada, de Sartre), "Os Montes de Bosta na Época de sua Infinita Reprodutibilidade Técnica" (A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, de Walter Benjamin), "Cartas Sobre a Deseducação Estética do Homem (e da Mulher)", paródia do texto de Friedrich Schiller; "Crítica da Ração Pura", paródia de Kant;  "Fenomenologia do Espírito de Porco Vacum", a partir de Hegel; "O Mundo como Vontade de Dar Pau e Representação", recriando Schopenhauer, e "A Rebelião das Massas Deu no Que Deu - Uma Volta às Coisas Mesmas", divertimento a partir de José Ortega Y Gasset, autor cujo raciovitalsimo foi tema da tese de doutorado em Filosofia de Jeferson em León, na Espanha. Um livro para quem pode pensar na filosofia no dia a dia, como já o fazem autores da linhagem de Alain de Botton e Marcia Tiburi.

 

9º Por que Ler os Contemporâneos? - Autores que Escrevem o Século 21 - Organizado por Léa Masina, Daniela Langer, Rafael Bán Jacobsen e Rodrigo Rosp 

De um modo assumidamente impressionista e não querendo ser um arrazoado de verbetes definitivos, a crítica literária, mestre em Literatura Brasileira e doutora em Literatura Comparada, Léa Masina, arregimentou três outros especialistas e/ou mestrandos em Literatura e/ou Escrita Criativa, Daniela Langer, Rodrigo Rosp e Rafael Bán Jacobsen, para criar o “Por Que Ler os Contemporâneos? Autores que Escrevem o Século 21? (Dublinense), guia que se propõe a mapear em 101 verbetes os escritores nacionais e estrangeiros que representam a literatura feita no Século 21 ou que participaram ativamente da do século 20, mas transpuseram a barreira da virada do milênio e tiveram uma publicação significativa na última década e meia. Particularmente, eu não sou daqueles que gostam de listas, mas este livro já passa a ser essencial para aqueles que como eu não leram estes 101 autores. Dou exemplos concretos e não fujo da raia. Não li tudo, graças a Deus ou a inexistência dele para agradar ateus e agnósticos. Não li Paulina Chiziane, Kyung-Sook Shin, Mario Bellatin, Michael Chabon, Péter Esterházy, Nicole Krauss e Teju Cole. Melhor assim. Não entraram Gabriel García-Marquez e José Saramago, mas sim os Antónios – Lobo Antunes e Tabucchi. Entrou João Gilberto Noll e o não o Luiz Antônio de Assis Brasil. A justificativa dos organizadores é que a prosa de um dialoga com o século 21 e a outra não.   Entre os resenhistas temos nomes como Charles Kiefer (Paul Auster), Donaldo Schüler (Philip Roth), Altair Martins (Ricardo Piglia), Cíntia Moscovich (Amós Oz), Juremir Machado da Silva (Michel Houellebecq), Carlos André Moreira (Neal Stephenson), Léa Masina (Mia Couto), Milton Ribeiro (Martín Kohan), Luís Dill (Lionel Shriver), Ricardo Barberena (J.M.G. Le Clézio), Daniel Galera (David Foster Wallace), Tailor Diniz (Antonio Tabucchi), Andrea Kahmann (Zoé Valdés). Maravilha, um guia mais próximo do completo para quem quer ler os contemporâneos em temas sintonizados com a época. Por isso, entra na lista dos dez mais do ano de 2014 do blog Livros A+.

 

10º Em Linha Reta, de Tailor Diniz  (Grua)

Me considero amigo de Tailor Diniz. Gosto de suas resenhas, do papo sobre literatura e mais ainda dos seus livros. Acho que ele é um dos dez melhores autores policiais do Brasil. Mas amizades fora, o livro Em Linha Reta é muito bom, flerta com vários gêneros e trabalha a fronteira física e intangível do ser humano. O livro fala do sonho, do devaneio, do delírio como obra estética, apregoado por Jorge Luis Borges, em La Pesadilla, na epígrafe escolhida para abrir as cortinas do romance: “…los sueños son una obra estética, quizá la expresión estética más antigua. Toma una forma extrañamente dramática, ya que somos, como dijo Addison, el teatro, el espectador, los actores, la fábula.” Segundo livro do tríptico Fronteiras e Sombras, iniciado com A Superfície da Sombra (Grua, 2012), a nova trama substitui a fronteira entre duas cidades, Poblado Oriental e Passo do Cati pelos limites não-geográficos da lucidez e do delírio, do real e do abstrato, do humano e da máquina.Em A Superfície da Sombra a abordagem se dava a partir de um cenário geográfico, substantivo, que é uma região de fronteira onde existem duas cidades separadas por uma avenida, que separa também dois países. Agora, a visão é mais subjetiva: a personagem trafega naquela linha frágil entre a lucidez e o delírio, entre o presente e o passado remoto, entre a máquina e o humano, entre a indiferença e o fanatismo. Esta justificativa me foi dada em entrevista pelo próprio escritor. O livro prende do início ao fim ao buscar a forma estranhamente dramática destaca por Borges na epigrafe do livro. Tailor nos presenteia com vários gêneros em um só. Diálogos teatrais entre a protagonista Sophia Antonelli, a garota de programa, e o motorista e segurança Damián, entre músicas de Roberto Carlos e Piazzolla e deboches telegráficos da moça que só presta atenção ao seu iPhone, num carro em alta velocidade. As referências são muitas, os livros policiais e de suspense que Tailor tanto domina, o realismo fantástico - cujo representante maior, Gabriel García Marquez, morreu em abril - até H.G. Wells, com a sua “Máquina do Tempo”. Acostumado a ter uma narrativa mais linear, Tailor optou por complicar um pouco o caminho do leitor, para o bem dos seus leitores fieis e daqueles que irão travar contato com o autor pela primeira vez.

 

 

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