Feliz Ano Vecchio, Assumção, Frizero, Dantas e Napoleoni!!!

Feliz Ano Vecchio, Assumção, Frizero, Dantas e Napoleoni!!!

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Por Luiz Gonzaga Lopes 

A pedido do esgrimista das letras, da música clássica e de outras veneráveis qualidades, Milton Ribeiro, fiz a minha lista dos cinco melhores do livro do ano de 2015 para o Sul 21 e vou publicá-las agora no blog Livros A+. Talvez não sejam os melhores livros de 2015, mas são os meus melhores, porque alguns belos livros eu não os li ainda. A literatura permite a leitura de maratonista ou fundista. Ou alguém leu Cervantes e Victor Hugo quando foram lançados? Então para que a pressa? Enfim, voltando ao bovino congelado, fiz uma lista das leituras que me deram prazer, me arrebataram, me tiraram do caos calmo e me levaram a pensar e a retomar também a minha escrita, a tecer críticas, fazer entrevistas, participar de mesas, discutir e repensar a literatura. Por isso, a saudação inicial que remete aos sobrenomes dos autores: Feliz Ano Vecchio, Assumção, Frizero, Dantas e Napoleoni já estão inscritos no panteão de escritores do quais espero sempre um novo livro ou que possa buscar obras antigas e textos cometidos em outras publicações. Do argentino macedônico (relativo a Macedonio Fernández), Diego Vecchio a italiana radicada em Londres, Loretta Napoleoni, expert em terrorismo em lavagem de dinheiro, as obras foram seminais num ano de grandes livros. Três gaúchos estão na lista, do segundo ao terceiro lugares, três pessoas com as quais convivo e que pela interlocução e sabedoria sempre prometem grandes livros: Jéferson Assumção, amigo há 22 anos; Robertson Frizero, parceiro de eventos literários e encontros fortuitos em peças de teatro; e Julia Dantas, amiga mais recente, mas não menos importante, que trilha o caminho do romance passado em solo estrangeiro, mas fugindo um pouco das convenções dos contemporâneos, dos da sua geração de escrita e teoria. Vamos então aos cinco mais, top five, los cinco mejores, ??? ???? (top pyat), top cinq, top fünf, paras viisi etc.



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1 - MICRÓBIOS, DE DIEGO VECCHIO (COSAC NAIFY)

Uma das grandes surpresas do ano é este livro escrito pelo autor bonairense que vive há 23 anos em Paris, onde dá aulas de literatura hispano e criação literária na Universidade Paris VII. A partir de duas epígrafes, uma de “A saúde dos homens das letras”, de Samuel Auguste Tissot, de que as letras produziriam uma infinidade de males e doenças nervosas, e outra de Francis Picabia, que queria entrar no interior das pessoas, Vecchio cria nove histórias, cada uma sobre uma doença em uma parte do corpo, um germe ou micróbio, que é provocado pela leitura ou pela escrita. Um dos exemplos é “O homem do tabaco”, no qual o autor Joshua Lynn passa a escrever contos no qual o fumar é a peça chave da história e passa a fazer sucesso, mas o cigarro o leva à ruína na literatura e também na vida. Outro é “A dama das flores” na qual uma mulher húngara após ler e detestar um livro sobre a linguagem das flores passa a ter doenças físicas e esquizofrenia da perseguição pelo reino floral. Os contos de Vecchio à maneira de Macedonio Fernández (na inventividade que parece não ter propósito) e de Jorge Luis Borges (de relacionar pessoas reais com histórias inventadas) são recheados de uma criação permeada pelo conhecimento científico de doenças, que o próprio autor, em entrevista concedida a mim, não eram de seu domínio, foram estudadas a fundo durante a concepção do livro de Vecchio, confesso admirador de João Gilberto Noll.

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2 - CABEÇA DE MULHER OLHANDO A NEVE, DE JÉFERSON ASSUMÇÃO (BESOURO BOX)

Como acompanho a escrita de Jéferson Assumção há mais de 20 anos, desde “A Urbe” e “A Vaca Azul é Ninja”, tenho sempre uma surpresa extasiante a cada livro, seja ele ficcional ou de cunho filosófico. Na 61ª Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro, ele lançou “Cabeça de Mulher Olhando a Neve” pela BesouroBox. Recebi o livro duas semanas antes e vi, nesta obra de contos que se tangem pela onipresença da neve, aquele mesmo escritor empolgado dos anos 1990, criativo, por vezes ensaístico e que me ajudou a conhecer melhor Borges, Cortázar, Paul Auster e Italo Calvino. São 22 contos, definidos por Tabajara Ruas no prefácio desta forma: “são contos que nos desconcertam, fascinam, nos assustam e depois nos fazem pensar. Cada conto deste livro é uma peça única e rara". O que posso dizer sobre o livro para não me alongar é que Jéferson conseguiu criar uma obra espessa, interpenetrada, no qual a mulher olhando a neve se conecta com os filhos que idolatram o pai, exímio descascador de laranjas, num investigador transformado em lebre que assombra um homem, o machista Amadeu, ou as nevascas em Brasília, em Macapá, em Caruaru e do engenhoso escritor argentino Emílio Sosa, um homem que resolveu escrever sua obra nos muros e paredes de Buenos Aires (tudo muito Borgiano). Para dar mais sal a estas interconexões entre os contos, alguns são pequenos, de nove a 12 linhas no máximo, mas contêm sentenças finais que são epígrafes deslocadas, como “O vermelho escuro de carnes desfiadas do goulash manchava o branco da neve ou “Ainda enganchei um anel em seus cabelos finos”. Algo muito próximo do aforismo ou das máximas de La Rochefoucauld, filosofias à parte. Livro de esgrimista, de artesão.

longe das aldeias

3 - LONGE DAS ALDEIAS, DE ROBERTSON FRIZERO (TERCEIRO SELO)

O livro de Robertson Frizero me impressionou pela capacidade de ser sucinto (96 páginas), mas dentro dele reconstruir uma história densa, memorialística de um jovem de 17 anos que busca pelas pistas do pai ignorado com a tia, diante da mãe com Alzheimer ou um bloqueio traumático dos horrores da guerra nos Balcãs. Fiz uma resenha sobre o livro para o blog Livros A+ do Correio do Povo (http://blogs.correiodopovo.com.br/blogs/livrosamais/?p=743), sob o título “O pai que nos protege”. Lá traço um paralelo da escolha do nome do personagem, “Emanuel, que significa Deus conosco, mas que podia ser Teófilo, amigo de Deus. O deus da busca pela verdade da guerra, do genocídio, da submissão de um povo por outro e os ecos desta barbárie nos que ficaram, nos que sobreviveram a tudo”. Há uma delicadeza, uma imersão nos recônditos da alma humana, em descrever a vida de Emanuel, as suas aflições, a tentativa de seguir o namoro com Madalena, mas a dor do passado, que se materializa no trauma da mãe, a busca pelo pai Josif e a derrubada dos castelos no ar em questões intermináveis à tia Mirna, nos levam a uma espiral prazer-dor, quase Reichiana, da busca por esta verdade, junto com Emanuel. Assim, mergulhamos nos horrores e atrocidades de uma guerra e na tentativa de redenção de um jovem pela simples, mas dolorida busca pela verdade. Na orelha do livro, o grande parceiro literário Gustavo Melo Czekster, de “O Homem Despedaçado” (Dublinense, 2011), me auxilia a decifrar o livro, dizendo que o autor “na melhor tradição de Eça de Queirós e Balzac, mostra a memória tanto como bálsamo quanto como veneno, revela o amor como um jogo de neblina e de espelhos e trata a vida como uma longa história repleta de reticências e de pontas soltas.”

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4 - RUÍNA Y LEVEZA, DE JULIA DANTAS (DUBLINENSE)

Pense naquele livro que você gostaria de escrever, de um tema tão presente nesta literatura contemporânea feita pelos jovens autores dos 25 aos 40 anos, de uma jornada pela busca da identidade em outras plagas. Pois Júlia Dantas lançou no primeiro semestre seu romance “Ruína y Leveza” pela Não Editora e nos provocou a imersão neste seu livro de viagem, romance de passagem, no qual a publicitária Sara viaja sozinha por pequenas e médias cidades do Peru e da Bolívia. Ela rompeu um namoro, perdeu os vínculos com o trabalho, a famosa queda dantesca afetiva e profissional. Assim, passa a carregar nas costas, além da sua mochila, as lembranças e as experiências que se acumulam entre Potosí e Cuzco, pois conhece o viajante argentino Lucho e Carmem, uma tímida peruana, que também acaba passando por uma transformação. Da experiência de quase morte numa mina em Potosí, junto com Lucho, até os debates com Carmem sobre liberdade e fazer um aborto, passando por um diário de sonhos que entremeia os capítulos, Júlia nos presenteou com uma obra de leitura contínua e também por uma transformação do leitor, no caso este humilde analista e escrevinhador que vos fala. Leiam este quarto colocado e façam seus próprios julgamentos

fenix islamista

5 - A FÊNIX ISLAMISTA, DE LORETTA NAPOLEONI (BERTRAND BRASIL)

Como os primeiro quatro livros desta lista são ficcionais, eu precisa colocar uma pitada de não-ficção nesta escolha. O livro que mais arrebatou neste âmbito foi este “A Fênix Islamista”, de Loretta Napoleoni. O Estado Islâmico é escarafunchado por agências de notícias, jornalistas e outros especialistas, mas muito poucos destes se aproximam da verdade. Loretta, por ser expert em terrorismo e lavagem de dinheiro, partiu do caminho do apoio a este grupo que quer retomar o Califado, perdido no século 13. Assim, ela nos coloca dentro dos movimentos que levaram ao reforço do EI, como o pós-Guerra Fria, pós-11 de setembro e enfraquecimento de outros grupos como Al Qaeda e Frente Al Nusra e o projeto bem idealizado de Abu Bakr al Baghdadi de exercer esta conquista, começando pelo norte da Síria e do Iraque e se estendendo depois pela Turquia e sul da Europa. Loretta faz uma radiografia da inteligência das estratégias do EI (ou ISIS na terminologia inglesa), a partir de Al Baghdadi, que tem formação em estudos islâmicos pela Universidade de Bagdá, e também conhecimentos militares e virtuais para conseguir o que quer, recrutar jovens e promover o medo e o terror no mundo ocidental. Entrevistei Loretta em março deste ano e ela contou que escreveu o livro exatamente para esclarecer para mostrar que o grupo só será vencido se, quem se opor a ele, tiver estratégias melhores de combate, que não o combate em si. Por escolher este livro como um dos cinco melhores do ano, não quer dizer que eu concorde com as práticas do EI, não seria louco a tal ponto, mas posso dizer que esta foi a melhor obra escrita sobre este grupo radical oriental até agora e ponto final.

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