A leitura como fuga da realidade do novo coronavírus

A leitura como fuga da realidade do novo coronavírus

Feira do Livro de Porto Alegre tem mais de 40 lançamentos que falam sobre saúde mental

Livros são ótimas companhias durante o isolamento social

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O isolamento social ocasionado pela pandemia da Covid-19 projeta, na vida das pessoas, um ambiente muito propício para que elas comecem a apresentar transtornos psicológicos: a falta de contato físico com os amigos e a família, o trabalho em formato home-office (em casa) e a banalização da morte, com mais de 162 mil óbitos por coronavírus, aqui no Brasil, tem gerado muitas angústias e frustrações. Na tentativa de dar suporte em saúde mental a quadros de, por exemplo, depressão e ansiedade, especialistas vêm apontando a prática da leitura como exercício terapêutico.

A Feira do Livro de Porto Alegre, deste ano, está sendo realizada de forma totalmente virtual e, para o gestor de vendas e marketing Rudimar Bernardes, representante de uma das bancas mais antigas do evento, a Editora Age, a situação da quarentena tem impulsionado a busca por obras que ajudam os leitores a lidar com a solidão do isolamento. “O livro transporta a pessoa para um mundo que não está contaminado pelo coronavírus. Através dele, podemos quebrar essa rotina de consumir notícias ruins e ocupar nosso tempo de outra forma.”, comenta. Rudimar conta, ainda, que os livros mais vendidos da banca, até o momento, são “O diário poético de uma pandemia”, de Armindo Trevisan; “A fonte”, de Léo Gerchmann, e “Nunca me contaram”, de Mauro Fiterman, que fala sobre sentimentos, medos, fraquezas e conquistas.

A psicanalista Juliana Lang, que atende na capital gaúcha, explica o conceito de biblioterapia, onde a leitura é indicada formalmente como parte do tratamento de depressão, ansiedade, bipolaridade e outros transtornos psicológicos. “Ler ajuda a desenvolver a capacidade imaginativa, potencializa a criatividade e cria laços entre os leitores. Tem sido muito comum o surgimento de clubes de leitura, desde antes da pandemia, que buscam unir as pessoas para debater as minúcias dos livros, seus personagens e os impactos causados nas suas vidas por aquela obra. E é nesse momento que o ato de ler vira uma experiência e não só uma simples atividade corriqueira.”, afirma. 

Medo, cansaço e luto

Em ordem cronológica, Juliana analisa as reações negativas de seus pacientes, durante a quarentena, e destaca três momentos vividos até agora: o início do isolamento, marcado pelo medo do vírus e do desemprego; logo após, o cansaço pela mudança nas rotinas, sentido, principalmente, pelas mulheres que são, ainda, o gênero mais sobrecarregado com demandas domésticas, maternas e profissionais, e, por fim, o sentimento de luto e pesar por todos os projetos pessoais que não foram realizados, por conta da Covid-19.

“Neste momento, aqui em Porto Alegre, onde está acontecendo uma reabertura do comércio e bares, eu percebo que as pessoas estão se animando mais e que há uma expectativa muito grande com a produção de uma possível vacina, mas, o cansaço, entre elas, ainda prevalece”, salienta Juliana, salientando que a população está esgotada. “Por isso, eu e outros colegas estamos testemunhando uma procura maior por terapia.”

Normalmente, o tratamento para transtornos de ansiedade, estresse, depressão e até quadros psicóticos consistem em medicações e exercícios físicos, mas, a leitura pode fazer parte disso, também, sendo uma alternativa saudável e com grande potencial. 

“Durante um tratamento terapêutico, o sujeito pode fazer a biblioterapia em grupo ou, até mesmo, ter livros indicados pelo profissional que está o atendendo (psicólogo, bibliotecário, educador e assistente social), mas, também, esse exercício pode ser feito de forma individual”, explica Juliana, ao destacar a existência de diversos perfis literários nas redes sociais, como, por exemplo, no Facebook, e a facilidade, hoje em dia, de encontrar muitas informações sobre uma boa leitura. 

Lançamentos que abordam o tema saúde mental na Feira do Livro deste ano

Hoje, a psique humana vem sendo pautada em, pelo menos, 40 lançamentos disponíveis na Feira, como o da autora Clara Lila Gonzalez De Araújo, que escreveu “Comportamento Suicida na Infância e na Adolescência” e o de José de Jesus Peixoto Camargo, “Para onde vamos com essa pressa?”. O livro de JJ Camargo, especialista em cirurgia torácica e transplante de pulmão da América Latina, pode ser associado diretamente com o que muitos, diante da quarentena, sentiram: vontade de viver tudo aquilo que ainda não tinham vivido. Em “Para onde vamos com essa pressa?”, o autor mostra que as pessoas não precisam se confrontar com a morte para começar a viver, questiona o tempo que cada um tem de vida e recomenda a busca pela felicidade o quanto antes.

Confira alguns lançamentos

A pandemia e o exílio do mundo – Pedro Duarte
Quando a vontade de viver vai embora – Christopher Marques e Thiago Faccini Paro
Obrigado – Paulo do Gato 
O mestre dos abraços – Celso Traub
Depois da tempestade...ou 2020, o ano que não aconteceu – Maria Luiza Vargas Ramos
No caos da convivência – Luís Mauro Sá Martino e Ângela Cristina Salgueiro Marques
Idealismo, boemia e solidão – Guilherme Steinhaus da Silva
Saia do controle – Rossano Sobrino
Nunca me contaram – Mauro Fiterman
Morte e alteridade – Byung-Chul Han
Comportamento Suicida na Infância e na Adolescência – Clara Lila Gonzalez De Araújo
Para onde vamos com essa pressa? – JJ Camargo

Mas, existe um gênero específico de livro indicado ao tratamento de depressão e ansiedade?

Para Juliana Lang, não, porém, há algumas observações que devem ser feitas: quando uma pessoa está no meio de uma crise de ansiedade, dificilmente ela vai conseguir ler um livro de poesia, por exemplo, porque conteúdos mais abstratos requerem uma capacidade de fluidez e relaxamento que aquele leitor, no momento, não tem. “Assim como uma pessoa enlutada não vai se beneficiar, também, de algo que seja mais subjetivo. Uma dica é procurar uma história parecida com a que a pessoa está vivendo.”, afirma.
A psicanalista indica obras de romance de formação para se iniciar o processo biblioterápico. Esse tipo de ficção busca analisar a vida dos personagens, geralmente, em um momento de juventude, onde são expostas questões de identidade e construção do próprio eu. “Os livros de romance de formação acabam tendo um caráter muito terapêutico, porque nos conectam com nossas histórias, vivências e lembranças”, explica. 

Para as pessoas que não estão habituadas a ler, Juliana separou, ainda, três sugestões para buscar, na leitura, a fuga da realidade do novo cononavírus:

1) Comece por livros de, no máximo, 200 páginas. Assim, você não corre o risco de desistir na metade.
2) Escolha uma literatura que te chame atenção.
3) E, por fim, entenda que há escritores mais descritivos e outros com uma prosa mais direta, livros com linguagem mais coloquial ou mais rebuscada. Procure saber quais são os tipos de obras que você tem mais afinidade.

Laura Pontin / Faculdade São Francisco de Assis


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