Cultura e acessibilidade: Feira do Livro tem livros em braille disponíveis em seu acervo

Cultura e acessibilidade: Feira do Livro tem livros em braille disponíveis em seu acervo

Literatura em Braille colabora com a inclusão social e desenvolvimento de pessoas cegas

Amanda Krohn / Unisinos

Editora Paulinas é uma das pioneiras em publicação de livros em Braille no Brasil

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Na Feira do Livro, o estande da Livraria Senado realiza, anualmente, doações de livros escritos em Braille para a Biblioteca Pública de Porto Alegre. De acordo com Arnaldo Sampaio, que trabalha na gráfica da livraria, estes livros, em especial, nunca são vendidos, e sim doados. “Fizemos a doação de mais ou menos seis livros em Braille para a biblioteca, além dos livros em tinta”, conta Sampaio, que também explica que um levantamento mais exato e completo só poderá ser feito ao final do evento. Outro local na Feira que conta com um acervo de livros em Braille é a banca da Editora Paulinas. Segundo a editora responsável pela literatura infantojuvenil, Fabíola Medeiros, de 33 anos, a Paulinas é uma das editoras pioneiras na produção brasileira desses livros.

O primeiro livro publicado pela Editora Paulinas foi o “Dorina Viu”, da autora Cláudia Cotes, e conta a história de Dorina Nowill, fundadora da Fundação Dorina Nowill para Cegos, que inspirou a personagem Dorinha, da Turma da Mônic. Dorina trabalhou no Ministério da Educação nos anos 80 e antes disso, em 1948, trouxe para o Brasil uma imprensa braille completa, com maquinários, papel e outros materiais que contribuem para que pessoas cegas tenham acesso à literatura.

A importância da literatura braille para o desenvolvimento

De acordo com a pedagoga e professora especializada na área de deficiência visual Isabel Sant’Anna Oliveira, o acesso à leitura em Braille é essencial para a formação da pessoa cega, e a literatura tem papel fundamental. “As novas tecnologias (como o audiolivro, por exemplo), ajudam bastante, mas a pessoa precisa ler para aprender a escrever, às vezes só ouvir pode confundir, a língua portuguesa é complexa”, explica a professora, que é aposentada e também trabalhou com transcrição de livros para braille por quase 30 anos.

Isabel conta que os livros transcritos eram distribuídos na Feira do Livro, em escolas, bibliotecas públicas, e associações para cegos de diversos Estados. “Tínhamos o apoio da Câmara do Livro, das editoras e da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades do RS (Faders), por isso podíamos distribuir, e os autores também nos apoiavam”, relata, “Já transcrevi mais de 500 títulos, começando com autores gaúchos e literatura infantil”, complementa. Segundo Isabel, a falta de acesso à literatura em Braille faz com que as pessoas cegas sejam excluídas, causando defasagens em sua formação.

A massoterapeuta autônoma e ex-aluna de Isabel Sant’Anna, Simone Leite Ferreira, de 46 anos, sabe bem como é ser excluída devido à cegueira. Por dificuldade de acesso a um ensino que contemplasse suas necessidades, Simone foi alfabetizada em Braille aos 12 anos. Nessa época, seus pais puderam matriculá-la no Instituto Santa Luzia, no Rio Grande do Sul, que tem atendimento especializado para alunos com deficiência. “Dentro da escola eu não tive dificuldade porque tinha livros didáticos específicos para a gente, e os alunos de visão normal liam o mesmo livro”, conta Simone. “Tinha tanto em braille quanto em tinta para eles acompanharem junto com a gente”, detalha a massoterapeuta. Ela afirma que a presença da professora Isabel em sua vida foi muito importante. “Ela me auxiliou muito, era ela que fazia as transcrições pra mim, fazia todo o manual, transcrevia as provas e trabalhos para que os alunos cegos pudessem ter acesso”, diz.

Segundo ela, as dificuldades começaram a aparecer quando ela teve que ir para o Paraná para cursar o Ensino Médio, pois o Santa Luzia só tinha até o Ensino Fundamental. “Na outra escola não tinha material para mim, tinha um colega que estudava junto comigo, e fazíamos a maior parte das provas e trabalhos em dupla”, conta. “Eu senti falta do material didático em Braille”, acrescenta. Quando Simone não tinha acesso ao material que precisava, Isabel enviava-os de Porto Alegre para o Paraná, para que a estudante pudesse usá-los. “São poucas pessoas como a Isabel, a gente não encontra pessoas tão dedicadas como ela”, comenta.

Simone relata que, ao cursar Massoterapia, também não havia materiais em Braille. Na falta das tecnologias que existem hoje, ela contava com a ajuda de colegas que liam para ela ou ditavam para que ela pudesse transcrever o material. “Acho que nós, cegos, éramos considerados heróis, porque tínhamos que nos virar por conta própria, caminhar com as próprias pernas, não tinha quem desse assistência pra gente”, diz.

Para a massoterapeuta, ler em Braille é essencial para o desenvolvimento intelectual. “Os dispositivos e aplicativos que ajudam na leitura para cegos existem, e estão cada vez mais aprimorados, mas eu ainda defendo o braille”, coloca a massoterapeuta, “porque não adianta ser expert em informática e não saber escrever”, acrescenta. Ela argumenta que, quando se lê bastante, a escrita melhora junto. “Por isso eu sou a favor de que haja literatura em braille para a nossa ortografia ser tão desenvolvida como a de uma pessoa normal”, finaliza.

Leopoldino Subeldia Monteiro, professor de história aposentado, tem 66 anos e foi alfabetizado em Braille aos nove anos. “Nasci no interior de Alegrete, e lá tinha só escola rural”, diz o professor. “Quando eu estava na idade escolar, a professora não sabia o que fazer comigo. Eu pedia para ficar ouvindo e por um tempo ela deixou, mas depois ela disse que era para eu ficar em casa porque eu não sabia o que fazer”, relata. Ao descobrir uma escola em Porto Alegre, que atendia pessoas com deficiência visual, seus familiares foram atrás de matriculá-lo. “Só pude ser alfabetizado com nove anos porque antes não tinha vagas”, explica o ex-professor, que acrescenta que também tinha colegas com 13, 14 anos que ainda não haviam tido acesso a nenhuma instrução.

Segundo Léo, como gosta de ser chamado, se considera sortudo pelo acesso à literatura que teve em seu ensino fundamental. “A escola em que eu estudei tinha muito estímulo para a leitura, uma biblioteca muito vasta, livros adequados para a idade de cada pessoa e até premiação para quem lesse mais”, afirma. O ex-professor só passou a ter dificuldades quando fez faculdade de história e não tinha livros em braille para que ele pudesse consultar. “Eu tinha que me virar indo na biblioteca pública, eu mesmo transcrever trechos de livros. Na época não tinha como ler virtualmente”, explica. Leopoldino também defende a literatura em braille como essencial para o desenvolvimento. “O aluno que não lê, seja ele cego ou não, ele não sabe escrever. Ele escreve como ouve, então a gente tem que incentivar a leitura”, argumenta.

O ex-professor de História trabalhou com Isabel na transcrição de livros para o Braille. “Ela lia para mim e eu escrevia em Braille”, explica. “Hoje em dia existe a linha Braille, que você pode acoplar a um iPhone, ela vai lendo o livro e vai aparecendo em Braille, mas naquela época alguém lia, ditava”, continua. Leopoldino também já foi professor, orientando outros professores para que eles soubessem como ensinar pessoas com deficiência visual. Além disso, já fez atendimento educacional especializado para alunos da rede municipal.


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