Automobilismo gaúcho perde o piloto Cali Crestani, aos 63 anos

Automobilismo gaúcho perde o piloto Cali Crestani, aos 63 anos

Campeão da Endurance em 2016 deixou marca a bordo do Tornado #3

Vitórias no Tornado #3 foram a marca do piloto de Tapera

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O automobilismo gaúcho perdeu, neste domingo, o piloto natural de Tapera Cali Crestani. Aos 63 anos,  ele não resistiu às complicações de um câncer. Um entusiasta do esporte a motor, deixou sua marca já "veterano", nas provas de Fórmula e Endurance do Gaúcho de Automobilismo, sempre com uma pilotagem arrojada.

A trajetória nas pistas de Crestani passou pelas linhas do PitLane desde 2011, primeiro com algumas vitórias na Fórmula 1.6 e, depois com seu grande xodó automobilístico, o protótipo Tornado Hayabusa, na Endurance. Na 1.6, fez pegas memoráveis com Ismael Toresan, Marcelo Giacomello e o depois grande parceiro de endurance Fernando Stedile. Ultrapassagens com freadas no fio da navalha ficaram no currículo.

Com o Tornado, Cali foi campeão do Gaúcho de Endurance em 2016, mas a gente lembra é da grande performance de Cali numa 12 Horas de Tarumã daquele ano. O protótipo com motor de moto Suzuki Hayabusa figurava na classe P2, e não deveria ser um adversário natural dos carros turbo da P1, mas a pilotagem agressive e impecável dele e de Stedile quase renderam uma vitória histórica.

No blog, narramos "um Tornado varreu Tarumã" com a essência do automobilismo. Reproduzimos o texto abaixo:

Um funil de vento imparável e devastador, a 500 km/h, essa é a definição de tornado pela meteorologia. O protótipo negro de número #3, um projeto de Luiz Fernando Cruz, fez jus ao seu nome e se tornou no grande herói das 12 Horas de Tarumã em 2016. Dois veteranos com pés pesadíssimos e mãos ligeiras, Luiz Carlos Crestani e Fernando Henrique Stédile encarnaram a pura essência do automobilismo.

A dupla estava a bordo de um pequeno chassis tubular com um motor de moto Suzuki Hayabusa e ao redor de 500 quilos. Um peso pena da Classe P2 que largava na 11ª colocação do grid das 12 Horas. Estavam na primeira garagem do pitlane, com uma equipe de menos de dez mecânicos, contra outros times que tinham uma tropa.

Intermináveis oito segundos mais lentos que o protótipo MR18 #110 da pole-position. O jeito era se contentar em manter o ritmo, sonhar com um top ten e disputar a vitória da sua classe, né?

Muito pelo contrário, é só medir no olhar desses gringos de Tapera (Crestani) e Passo Fundo (Stédile). Se é para sentar num cockpit, que seja para ganhar a corrida. Nada de economizar equipamento, eles foram para a desforra em cima dos gigantes.

Desde a largada, o Tornado engolfou a reta de Tarumã como um Furacão. O rugido do motor de moto, a mais de 10 mil rpm, diferente de tudo que estava no grid.  Berrando com o pé no fundo da entrada da Curva 8, tomando a 9 com uma leve tirada de pé e subindo o retão a mais de 200 km/h para passar na Curva 1 levantando poeira e a torcida. Com sua pintura negra, as sinaleiras de freio, como uma cara invocada vermelho fogo, eram a única identificação para os rivais de quem ia na frente na escuridão.

Na primeira hora, passaram em sétimo lugar, na liderança da P2. Era pouco. Mais leve, podia economizar nos pit-stops para abastecer.  Os pneus NA Carrera de compostos duros, também aguentaram os stints longos. Na segunda hora, o Tornado já era terceiro colocado, na mesma volta dos líderes da classe GP1.

“Não tiramos o pé em uma volta sequer, Bernardo”, contaria Fernando Stédile já no início da manhã. “Assim nós vamos até o fim, aconteça o que tiver que acontecer.” Estavam tocando para derreter, inconformados em serem coadjuvantes. Mas o Tornado seguiu avançando, pois apesar de todo o arrojo, Cali e Fernando registram décadas de experiência nas pistas. Pilotaram no limite extremo, mas sem destruiu o equipamento.

Na quinta hora, o Tornado já era segundo colocado. Os primeiros sinais da manhã estavam aparecendo na Curva 1 e o pé do acelerador continuava trancado no assoalho. Feito relógios, Cali e Fernando viravam metronomicamente voltas na casa de 1min08s. O suficiente para permanecerem na volta do líder? Não, agora eles estavam tirando distância para o primeiro lugar.

O dia veio e Cali Crestani já tinha se fundido ao carro, sem deixar Fernando Stédile se divertir. “Estou botando o capacete aqui, mas é por desencargo de consciência. Ele vai entrar daqui a dez voltas e não vai sair”, garantiu o piloto. Dito e feito, Fernando pediu duas vezes para trocar, mas voltou para o fundo da garagem meio inconformado. “O carro está muito bom, muito divertido”, resignou-se.

Acelerar, enfrentar os limites, dividir experiências com os amigos e se divertir para caramba. Fernando Stédile e Cali Crestani estavam aproveitando cada litro de gasolina e cada milésimo de segundo da essência do esporte a motor. “Aprendam crianços”.

E foi correndo desse jeito que, na sétima hora, o Tornado virou líder das 12 Horas de Tarumã. A pressão era quase insuportável do bicampeão MCR #46 e sua tropa de grandes pilotos. Mas aproveitando o safety car e os pits a mais do beberrão motor turbo do rival, o carrinho se mantinha na concorrência e entusiasmava a torcida pelo azarão.

Na oitava a hora, o impossível aconteceu. Fumaça no motor e uma rodada na Curva 1. O esforço tinha tirado o Tornado da corrida? Não! Era o #46 que estava parado na saída de escape da 1, após uma mangueira de óleo se romper. O vento guerreiro passou triunfante com três voltas de vantagem para o segundo colocado.

Mas o segundo era o novíssimo prótótipo MCR18 Lamborghini, outra cria do gênio de Luiz Fernando Cruz, com um motorzão V10 que também roncava poderoso e diferente na reta. Era David contra Golias, com o Golias virando até quatro segundo mais rápido por volta.

Na 10ª hora, o Lamborghini passou… Mas sob safety car! Foi penalizado e teve que passar pelos boxes, devolvendo a ponta ao Tornado. Com os carros esgualepados, o ritmo começou a variar entre os dois carros, não mais tão reloginho. Só que de repente o Tornado achou gás para abrir em relação ao rival. Tirou diferença quase até abri uma volta, mas veio um safety car que juntou o pelotão. Cali conseguiu abrir de novo, mas às 11h, o vento virou.

Onze horas de massacre constante, de enfrentamento do limite, de esforço incansável… A homocinética do motor Suzuki derreteu… Nova bandeira amarela, mas dessa vez por causa do Tornado.
Mecânico Leco precisou de um balde de gelo após reparo incandescente

Mecânico Leco precisou de um balde de gelo após reparo incandescente

A equipe não desistiu. O mecânico Leco pegou as ferramentas e tirou na marra a homocinética fervendo, as mãos queimando, mas sem hesitar. Perderam quatro voltas, mas não o ímpeto.

Faltavam quarenta minutos para o fim. Cali voltou e fez logo duas voltas em 1min07s! Mais rápido que em todo o resto da corrida. Tentou, recuperou uma das voltas, mas a dez minutos do fim o Tornado finalmente pediu um descanso. O motor foi envolvido em fumaça, o ritmo alucinante terminou. A vitória na classe P2 estava garantida, mas o Tornado merecia muito mais. Mas a gente deixa o Cali Crestani resumir: “Essa 12 Horas escapou, mas vai chegar a vez do Tornadinho”.


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