Birindelli: o ilustre filho adotivo do Rio Grande

Birindelli: o ilustre filho adotivo do Rio Grande

Gaúcho de coração, o ator interpreta o profeta Samuel, na segunda fase da série 'Reis'

Luciamen Winck

Ator, que está na série 'Reis', vai interpretar Gauguin, no filme ‘Gauguin e o Canal’, de Frank Spano

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O ator e diretor uruguaio Roberto Birindelli nasceu em Montevidéu, no Uruguai, onde viveu até os 15 anos, quando se mudou com a família para Porto Alegre, devido ao Regime Militar de seu país. O gaúcho “de coração” é formado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) desde 1989 e em Artes Cênicas pela mesma instituição desde 1992. Ele se divide, há alguns anos, em carreira no teatro, no cinema e na televisão, no Brasil e no exterior. No teatro, passou a encenar na década de 1990 o monólogo "Il Primo Mirácolo", com o qual viajou por mais de 150 cidades brasileiras e por outros oito países. 

Atualmente interpretando o profeta Samuel, na segunda fase da série "Reis", diz que vive um dos melhores momentos da sua carreira. “Um personagem complexo, centrado na palavra, no discurso, mais do que na emoção”, revela. A maior dificuldade, porém, está sendo conviver com a “cabeleira” de Samuel. Além do personagem bíblico, Birindelli é protagonista do longa “Águas Selvagens”, de Roly Santos, uma coprodução Brasil/Argentina, que estreou em 12 de maio nos cinemas brasileiros.
Depois de dois anos atípicos, de isolamento social, o que mudou na tua vida pessoal e profissional?
O que o isolamento mais mostrou é que o que mais sinto falta são as pessoas. Acho que na volta deste confinamento as pessoas vão valorizar mais umas às outras. A grande mudança, pelo que posso perceber agora, foi minha relação com o tempo. Entendo todas as necessidades, compromissos, expectativas, mas também entendo que meu tempo... é meu.
Sentiste falta de atuar no cinema e na TV? Como foi retomar às gravações?
No final de 2019, eu tinha terminado de filmar “La Teoria dos Vidrios Rotos”, no Uruguai, e vim para o Rio de Janeiro para as gravações de “Nos Tempos do Imperador”. Meu personagem iria entrar no primeiro capítulo e depois reapareceria após um intervalo de dois meses. Gravei as primeiras cenas e fui para os festivais de cinema da Europa. Voltei direto para a quarentena e, somente um ano e meio depois, retomei as gravações de Solano. As gravações foram lentas e planejadas, com todos os cuidados possíveis em relação à Covid-19 e enfim a novela estreou em agosto de 2021. O desafio foi gravar cenas de batalha durante a pandemia, com os protocolos de segurança. Muitas cenas foram feitas em partes e depois editadas e montadas na pós produção. Mesmo assim ficaram muito legais, bem verdadeiras. Normalmente a novela estreia com 30 capítulos gravados, mas em função da pandemia, da lentidão das gravações e da quantidade enorme de surpresas e imprevistos da pandemia, estreou com 70% dela gravada. Em “Reis” também tivemos os protocolos de segurança. É diferente, mas já estamos habituados.
O personagem Josué, em Império, foi uma virada de chave na carreira e, de certa forma, alavancou tua carreira na TV?
Foi meu primeiro personagem em uma novela em horário nobre. Dá uma abrangência maior. Apesar de, na época, eu já ter feito uns 25 filmes, o grande público não conhecia o trabalho que eu vinha desenvolvendo. Quando Aguinaldo Silva mandou e-mail perguntando se eu toparia fazer o Josué, quase nem acreditei. Já tinha trabalhado com Papinha (Rogério Gomes, diretor) em “A Teia”. Foi uma grande oportunidade, um super presente do Aguinaldo. 
Como bom apreciador e colecionador de vinhos, qual a importância que a bebida teve nos momentos de isolamento?
Fazia antes da pandemia saraus em minha casa, onde juntava os amigos de várias tribos para apreciar boa música, vinhos e aquela picanha. Durante a pandemia fiz lives sobre o tema todas as quartas-feiras de 2020 e passei a saber mais sobre vinhos. Inesperadamente, se abriu um caminho de diálogo com as vinícolas e hoje tenho vários parceiros nessa área.
Roberto, no atual momento, você está envolvido em alguns projetos. Poderia falar um pouco sobre eles?
Acabou de estrear, dia 12 de maio, nos cinemas brasileiros o longa “Águas Selvagens”, de Roly Santos, uma coprodução Brasil/Argentina, em que faço o protagonista. Outros filmes serão lançados este ano: os longas “Human Persons”, de Frank Spano, uma coprodução Panamá, Colômbia e Brasil; a produção uruguaia “La Teoria de los Vidrios Rotos”, de Diego Fernández, que tem estreia prevista para junho. Dois longas estão esperando terminar a captação para entrar em produção. Ainda não sei as datas. Também tem séries e o projeto de um Centro Cultural na Gávea.
Tens alguma preferência em atuar em novelas, filmes ou teatro? Ou o que te chama mais atenção é o personagem que vais interpretar?
Fala-se que teatro é a arte do ator, cinema é a arte do diretor e, na TV é a arte do patrocinador, onde a audiência manda em tudo. São prazeres e desafios diferentes. Pessoalmente me sinto atraído por personagens instigantes, sejam na TV, cinema ou teatro. É uma profissão que me permite entender a vida de muitas outras pessoas. Tenho tentado mergulhar cada vez mais nisso. Entender esse outro, com suas motivações, suas circunstâncias. Busco sempre personagens instigantes. Decido os trabalhos que faço pelos roteiros e densidade dos personagens, mais do que pela linguagem, produção ou qual veículo.
És um artista multifacetado que incorpora todos os personagens em suas respectivas histórias. Existe algum novo desafio que você pretende encarar em sua carreira?
Já fiz muita coisa diferente, muitas profissões, mas tem algo que nunca passei nem perto. Um super herói, mas sem poderes, algo como um Chapolin, mas adulto, sombrio, sério e metafórico. Um super herói sem o poder dos da Marvel, que tem que pagar suas contas, que tem seus dramas humanos, mas que mesmo assim tem que salvar a humanidade.
Depois de passar por outra emissora, estás de volta à Record TV, dando vida ao profeta Samuel, na segunda fase da série "Reis". O que há de semelhança entre Roberto e Samuel?

Então, Samuel tem mais diferenças comigo do que semelhanças. Primeiro porque se trata de um tempo muito diferente, onde a sociedade se estabelecia em regras que hoje não seriam praticáveis. Outras premências. Tempos do pensamento mítico-mágico, e não técnico-científico. De tribos e guerras constantes. Samuel é construído em alguns eixos, cada um com um tempo, um peso metafísico e uma dinâmica: o profeta, o cidadão de Israel, o pai de família, e o principal, um homem de Deus. Na série, Samuel vai ter grandes frustrações como profeta, como pai de família e vai viver o fim de uma era em Israel. Seu único refúgio vai ser sua fé inabalável.
Um dia após terminar teu contrato para “Nos Tempos do Imperador” (2021), já estava nos estúdios da Record TV. Já havia um namoro com a emissora? Como é integrar o elenco de atores da Record TV?
Eu nunca tive contrato com alguma emissora. Sempre trabalhei por projetos. Vinha já fazendo várias novelas e séries tanto na Globo quanto na Record TV. A mais recente havia sido a novela “Apocalipse”. A gente andava conversando sobre novos projetos, mas o tempo não permitia, sempre havia outro trabalho em andamento. Desta vez tudo deu certo nas datas. Bem isso. “Nos Tempos do Imperador” terminou em 5 de novembro e, no dia 6, eu já estava ensaiando Samuel. Muito legal reencontrar velhos amigos, como Fernando Pavão, Leo Miranda, entre tantos outros.
Em “Nos Tempos do Imperador”, interpretaste o ditador paraguaio Solano López. Agora assumes uma faceta muito mais pacífica ao ser um dos mensageiros de Deus na série bíblica. Na trama, Samuel é o último juiz de Israel e faz a transição à monarquia. Sentiste alguma dificuldade em emendar dois trabalhos em um curto espaço de tempo?
Na verdade, não senti dificuldade de emendar estes dois papéis. Já teve outras ocasiões que tive que fazer filme, série e novela, tudo ao mesmo tempo por causa das agendas de gravações. Eu curto vivenciar esses contrastes. Aprendo com semelhanças e diferenças. 
Apesar de estar acostumado com a diversidade de trabalhos, na Record TV foste apresentado a um novo cenário: ter que decorar os versículos bíblicos nos mínimos detalhes. O que é diferente neste novo trabalho?
De fato, o foco das novelas bíblicas é centrado na palavra, no discurso, mais do que na emoção. Não podemos mudar nada, pois são trechos da Bíblia. Na novela vai aparecer na tela o versículo a que se refere essa fala, e não podemos alterar. A gente tem a ajuda da produção para não falar nenhuma palavra errada nos trechos mais importantes. 
Como está sendo o convívio com as longas madeixas de Samuel? Já se acostumou com a cabeleira?
Nada fácil. Tenho hábito de usar cabelo curto e agora precisei colocar mega hair para compor o personagem. A mãe de Samuel não corta seu cabelo como símbolo da promessa que fez a Deus, portanto tive que me habituar a usar cabelo na cintura. Se antes meu banho era de quatro minutos, agora é de uma hora. E no meu chuveiro tem uns 5 potinhos e bisnagas que ainda não entendi para que são...
E os projetos para o futuro? Já tem algum novo personagem a caminho?
Eu interpreto Gauguin, no filme “Gauguin e o Canal”, de Frank Spano. Focando em flashbacks dos tempos de Paris, o período em que viveu e trabalhou na construção do Canal do Panamá e também com a família na Polinésia. Há um cuidado com a técnica de pintura dele e da época, da preparação das telas, dos bastidores, pigmentos, dúvidas e os fantasmas de Gauguin. Tem mais dois longas com temáticas bem inusitadas, mas é surpresa.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895