Caderno de Sábado: os 55 anos de um gigante da cultura

Caderno de Sábado: os 55 anos de um gigante da cultura

Em 30 de setembro de 1967, circulava a primeira edição do Caderno de Sábado sob o comando de P.F. Gastal e Oswaldo Goidanich

Luiz Gonzaga Lopes

Primeira edição do CS foi publicada em 30 de setembro de 1967

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Em 30 de setembro de 1967, circulava a primeira edição do Caderno de Sábado. A edição capitaneada por P. F. Gastal e Oswaldo Goidanich trouxe crônica de Clarice Lispector na capa: ‘Os Ricos que Também São Bons’. Na página 2 havia texto de Wagner Teixeira com o contraste entre brancos e negros nos EUA. Na 3, Renato Gianuca destacava texto ‘Freud de Joelhos’, do dramaturgo gaúcho Fernando Worm. Na 4, o tema era guerra climatológica; na 5, Osmar Melleti tratava de show de Chico Buarque no Clube do Comércio (dia 9 de setembro), e José Hildebrando Dacanal comentava livro de entrevistas de Madeline Chapsal, destacando a que ela fez com François Mauriac. Na página Central, textos de Wilson Chagas, Jefferson Barros e Paulo Ronai. Na 8, Sergio Ribeiro Rosa tratava do realismo em ‘Quincas Borba’, de Machado de Assis. Na 9, Herbert Caro destaca um disco de Beethoven e Maria Abreu, o grande religioso e músico José Mauricio Nunes Garcia. Na 10, Saul Galvão Jr. abordava a 9ª Bienal de São Paulo e na página 11, o destaque era o sucesso do músico José Mendes, com ‘Pára Pedro’, ficando a contracapa com os 50 anos da Revolução de Outubro na União Soviética pelo editor de Internacional, A. R. Schneider. Na galeria de fotos, publicamos as reproduções das 12 páginas e depoimentos de seis intelectuais gaúchos sobre o CS. 

DEPOIMENTOS

Muito orgulhosa por participar das comemorações dos 55 anos do Caderno de Sábado, do jornal Correio do Povo de Porto Alegre, criado em 1967. Tenho até hoje muito orgulho por ter tido meu primeiro artigo publicado em jornal – quando ainda fazia meu mestrado em Letras na Ufrgs – no Caderno de Sábado de 6 de dezembro de 1975. Tratava-se de um artigo sobre Alceu Amoroso Lima – cujo pseudônimo era Tristão de Athayde – e os riscos da crítica impressionista. Esse artigo teve continuidade nos três sábados seguintes onde descrevi criticamente as análises literárias do autor, demasiadamente centradas na religiosidade, na intuição e no “jugement de goût”.
Apesar de jovem, o Caderno de Sábado já havia se tornado o ponto de encontro de intelectuais e de amantes dos livros e da literatura. Para os interessados em arte, literatura, crítica literária e estética, o papel do Caderno de Sábado foi de grande importância em tempos em que não havia Internet, nem pesquisas on-line, para além de uma grande dificuldade de se obter livros importados. Nas páginas do Caderno nos atualizávamos, nos reciclávamos e dialogávamos com nossos mestres e escritores. Muitos nomes de importância maior em nossas letras, como Guilhermino Cesar, meu orientador de Mestrado, eram assíduos colaboradores, transformando o suplemento literário em inestimável fonte de pesquisa. Muito bom poder contar ainda hoje com esse espaço de livre circulação de ideias, de revelação de novos talentos e de renovação de conceitos.
Zilá Bernd
Pesquisadora CNPq

 

Mais de meio século é idade respeitável para qualquer instituição, pessoa, evento, o que for. Mas um caderno cultural completar 55 anos é muito significativo, mais do que talvez eu possa dizer aqui. Porque um suplemento literário e cultural tem duas temporalidades, se me permite o leitor a palavra feia: uma é a de dar conta do varejo da vida da cultura, das coisas que vão acontecendo, os debates e os livros que se sucedem no tempo – e nisso um suplemento é, com perdão do trocadilho, um complemento, necessário portanto, para qualquer cidade ou estado que preze pela inteligência. A outra é deixar para o futuro um testemunho vivo, ainda que espetado em páginas, como as antigas borboletas de coleção, de um processo, que só se cria com o lento acúmulo das informações e vivências que uma comunidade produz. Longa vida ao Caderno de Sábado, que já é das instituições letradas e intelectuais mais relevantes que o Rio Grande do Sul produziu em todos os tempos!”
Luis Augusto Fischer
Professor da Ufrgs e escritor

 

Tenho diante de mim as páginas amarelecidas de números antigos do Caderno de Sábado do Correio do Povo. Encarte literário que, completando 55 anos desde o seu primeiro número, continua trazendo textos de importantes autores do nosso estado. Praticamente comecei a lê-lo na adolescência, desde o primeiro número, pois a minha família era assinante do jornal. Era o final dos anos 60 e esperava com ansiedade a chegada dele pelas manhãs, bem cedo, pois encontrava autores que depois se tornariam meus amigos. Ali foram publicados os primeiros textos do Caio Fernando Abreu, que eu admirava. Mario Quintana tinha o seu lugar cativo com sua poesia, um deleite assegurado. Carlos Nejar, Armindo Trevisan, Luiz Coronel, Moacyr Scliar, Carlos Carvalho, Sergio Faraco, Alcy Cheuiche, traziam a nova literatura que se estava fazendo, que a sabedoria do editor Paulo Gastal mesclava com os mestres das gerações anteriores, como Cyro Martins, Dyonélio Machado e tantos outros.

Guilhermino Cesar, com seus estudos literários e históricos, era um caso à parte, respeitado professor e pesquisador, esclarecia com elegância temas os mais variados, do contrabando no Rio Grande do Sul à poesia portuguesa, por exemplo. A ele levei os meus primeiros poemas e contos. Dele recebi os primeiros incentivos para publicá-los. E o fiz nas páginas do Caderno, por intermédio dele, no início dos anos 70. Mais tarde, nos anos 80, mantive a coluna O Lugar do Conto, em página que tinha sido criada por Sergio Faraco. Continuo colaborando nesse espaço das artes e da cultura, já adentrado nos anos do século XXI, e, posso testemunhar, que mais do que nunca esses espaços de reflexão e manifestação da criatividade se tornaram importantes para o enfrentamento de tempos difíceis e de pouca valorização da cultura.
Paulo F. Gastal, Oswaldo Goidanich, Jaime Copstein, entre outros, cada um à sua maneira, fazendo a difusão da literatura e da cultura, criaram um espaço de debate, de manifestação de formas artísticas e interpretações históricas e sociológicas do mais alto nível dentre os veículos culturais do Brasil. Sua persistência até hoje é sinal de resistência e, ao mesmo tempo, de afirmação dos nossos autores, jornalistas e artistas. Espero que novas gerações de criadores continuem a encontrar nele um espaço plural onde possam dar continuidade ao que fizeram os que nos antecederam.
José Eduardo Degrazia. 
Escritor

Em linguagem geográfica, um oásis. No jargão dos marinheiros, um porto seguro. No dizer dos filósofos, um amigo da sabedoria. Para mim, que o frequento desde os primórdios, uma fonte da juventude, pois ao ver nele publicado um texto meu, sinto o coração acelerado, como na primeira vez... Nosso Caderno de Sábado está de aniversário. Que sopre as 55 velas o Pampeiro, o vento gaúcho mais autêntico, o que sempre vem do Sul.
Alcy Cheuiche
Escritor 


O Caderno de Sábado é parte transcendental da história cultural do RGS. O CS é um repositório do que se produziu, do que se pensou, do que se criou ao longo de décadas, como disse um pesquisador, uma enciclopédia cultural. Na nova fase, o CS foi capaz de buscar uma nova sintaxe para continuar dialogando com seu leitor. Quando alguém precisar estudar a história cultural do RGS e por extensão do Brasil, terá no CS um conjunto de textos inigualável. É um orgulho ter feito parte desta história que, todos esperamos, terá ainda muitos anos pela frente.
Antonio Hohlfeldt
Escritor, professor da PUCRS
e integrante da equipe do CS
nos anos 70 

Desde 1967, um ritual era sagrado para assinantes do Correio do Povo: ler, assim que o jornal chegasse às suas residências, o Caderno de Sábado, que P. F. Gastal, redator do segmento cultural, tinha então concebido e levado adiante com coragem, imaginação e apoio de artistas e intelectuais do Estado. A inspiração provinha certamente do Suplemento Cultural que o Estado de São Paulo mantinha há alguns anos e que era acompanhado por simpatizantes de todo o país. Com o Caderno de Sábado, o Rio Grande do Sul parecia não querer ficar para trás. E não ficou: criou espaços para que nomes locais de prestígio, como Guilhermino Cesar, e de então aspirantes, contassem com um espaço confiável para a difusão de seus estudos e ideias; para que nomes consolidados da literatura brasileira (não esquecer que, por bom tempo, Clarice Lispector, então escritora já consagrada, ocupou uma das colunas do Caderno) se aproximassem dos leitores locais; e para que autores e autoras jovens se apresentassem ao público, iniciando uma trajetória que o futuro mostrou ser vitoriosa.

Mais de meio século se passou – e eis que o Caderno de Sábado continua vivo e vigoroso, suplantando o tempo de permanência de seus precursores. Essa é efetivamente uma façanha de que o Rio Grande do Sul deve efetivamente se orgulhar!
Regina Zilberman. Doutora em Romanística - Universidade Heidelberg 
(Alemanha) 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895