Com nove músicas inéditas, "The Man Was"’ traz de volta Júpiter Maçã

Com nove músicas inéditas, "The Man Was"’ traz de volta Júpiter Maçã

Álbum foi lançado pelo produtor Egisto Dal Santo, com uma tiragem limitada de apenas 500 cópias e apenas em vinil

Carlos Corrêa

Flávio Basso procurou Egisto Dal Santo (foto) para que ambos fizessem a sequência do celebrado álbum “A Sétima Efervescência”, mas a morte do cantor impediu o projeto Fabiano do Amaral

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Era final de novembro de 2015 quando tocou o interfone do apartamento de Egisto Dal Santo. Quando o músico e produtor atendeu, reconheceu logo de cara a voz. Desceu para abrir a porta e foi recebido com um abraço apertado e um beijo. A reação não era exatamente a mais comum, mas, é bem verdade, comum nunca foi um adjetivo que coubesse bem em Flávio Basso, também conhecido como Júpiter Maçã, também conhecido como Júpiter Apple. Uma das figuras mais cultuadas do rock gaúcho estava ali para dar continuidade ao seu projeto mais bem sucedido, o álbum “A Sétima Efervescência”, de hits como “Um Lugar do Ca...” e “Miss Lexotan 6mg Garota”. A ideia era fazer “A Oitava Efervescência”, que tinha contado com a produção de Egisto.

Subiram para o apartamento. Lá, Basso pegou um violão e apresentou uma música inédita, em inglês. Na verdade, um princípio de música, já que a letra ia sendo construída ali mesmo, ao vivo. Egisto gravou tudo no celular. O problema é que tempos depois, o aparelho ficou num Uber, e nunca foi devolvido. Em resumo, há uma música inédita de Júpiter Maçã circulando pela cidade sem que o dono do aparelho desconfie do que isso representa. Se é que já não a apagou.

Mas voltando ao encontro do cantor e do produtor. Basso já não vivia seu melhor momento longe dos microfones, tanto que passara a atrair uma parcela de público mais interessada em testemunhar sua luta pessoa contra o álcool no palco do que propriamente em sua música. Os sinais de que perdia essa batalha também estavam evidentes naquele último encontro com Egisto. “Disse para ele vir para cá de novo outro dia, para seguir de onde paramos. Falei: ‘Tu acorda, toma um banho e vem para cá, eu faço uma comida vegetariana para a gente e ficamos compondo. Depois, se for o caso, tomamos um traguinho”. Egisto até viu Basso de longe em um bar dias depois, mas se desencontraram e adiaram a conversa. O retorno nunca aconteceu. 

Não muito depois, veio o pior. Em 21 de dezembro de 2015, o cantor faleceu e nem “A Oitava Efervescência”, nem nenhum outro álbum apenas com material inédito foi lançado desde então. No ano passado, dois projetos viram a luz do dia: “Apartment Jazz”, apenas instrumental e que seria trilha de um filme do próprio artista; e “Júpiter Maçã e os Pereiras Azuis”, que reúne uma série de demos e gravações antigas. Agora, seis anos e meio depois da morte de Basso, pela primeira vez é lançado um álbum só com músicas inéditas: “The Man Was”.

O lançamento faz parte do esforço de Egisto em lançar os trabalhos de Júpiter. O produtor calcula que, em termos de gravações, semiamadoras ou não, existem por aí pelo menos mais oito álbuns do músico, cinco em São Paulo e outros três no Rio Grande do Sul. “The Man Was” veio desse mesmo caminho. O disco, lançado só em vinil, surge de gravações de Basso em São Paulo feitas por Douglas Cassenott, em 2013. “São todas canções meio Bob Dylan, um bêbado psicodélico, todas em inglês”, descreve Egisto. Como as gravações originais haviam sido todas feitas de forma semiamadora, em dois canais, o processo de mixagem deixou poucas alternativas, a não ser fazer o uso de algumas frequências para ressaltar a voz ou algum outro instrumento.

Egisto admite que mesmo tendo a intenção de lançar o maior número possível de trabalhos de Basso (contando com a parceria e o aval da mãe do cantor, Iara Suessenbach), a decisão de seguir adiante com o projeto não veio de forma imediata quando teve em mãos o material gravado por Cassenott. Em um primeiro momento, cogitou completar o álbum com outras canções. Resolveu dar mais tempo para maturar o material. Até que depois de algumas semanas, a ficha caiu. “Demorei uns dias para assimilar o disco e entender. Mas quando aconteceu, me emocionei”, conta, dando como exemplo a música “I need a marriage” (“Eu preciso de um casamento”). “Ele diz isso na música, que precisa estar casado. E ele nunca foi um cara de falar muito dele nas músicas, era sempre um personagem”, observa o produtor.

As decisões acerca de “The Man Was” vão além do aspecto musical. Primeiro, o próprio fato de priorizar o lançamento em vinil com uma tiragem limitada de apenas 500 cópias. Neste processo, Egisto conta que bateu pé pelas ruas da Capital em busca de parcerias. “Procurei quase todas as lojas de discos de Porto Alegre, mas ninguém, ninguém mesmo quis me ajudar. Fiz então parcerias com caras daqui e de fora daqui que têm lojas on-line e vendi algumas cópias antecipadas”, lembra. Das 500 cópias, ele calcula que devem restar por volta de 100 no máximo. Dado o quanto o caráter de artista cult de Júpiter Maçã cresceu nos últimos anos, o disco tem o atrativo de ser praticamente um item de colecionador, uma vez que logo ali adiante não estará à venda e não há planos de uma nova leva. Hoje, “The Man Was” custa 180 reais e é vendido diretamente por Egisto – “Pode dizer para me procurarem no Facebook”, afirma – e pelas lojas parceiras. Quem está interessado em ouvir os cerca de 40 minutos das nove faixas sem comprar o disco, vai ter que esperar mais um pouco, mas não muito. A previsão é de que o álbum seja disponibilizado nas plataformas de streaming entre junho e julho. O visual do LP tampouco acontece por acaso. Em vez de ser prensado na cor preta, a mais comum em se tratando de vinil, Egisto quis que os discos fossem o mais transparente possíveis. “O disco é transparente de propósito, para mostrar a transparência do Flávio”, define o produtor.

Apesar de toda a relação com Basso, Egisto não foi convidado para o “Júpiter Day”, evento programado para o bar Opinião em junho, que vai homenagear o cantor e terá a presença de pelo menos 20 artistas. E não reagiu exatamente bem. “Esse ano dá para comprovar na prática que eu sou a pessoa mais excluída em Porto Alegre. Só o Giba Giba e o Carlinhos Hartlieb estão na mesma. Mas achei que não iam me convidar. E olha, tem alguém que se dedicou mais ao rock gaúcho que eu? Se tem, me diz um nome. Sou a pessoa que mais produziu discos e shows de rock gaúcho na história. Só no Segunda Sem Lei, trabalhei com 700 bandas gaúchas”, diz.

 


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