Digitais do futuro em estudos sobre as mídias

Digitais do futuro em estudos sobre as mídias

Cláudio Cardoso de Paiva*

capa do livro 'Comunicação na era pós-mídia', de Vinicius Andrade Pereira

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É instigante acompanhar a linha evolutiva da pesquisa de Vinícius Andrade Pereira projetada em seus livros sobre as mídias digitais e perceber como avança na interface dos estudos de Mídia e Tecnologia. Percorre os afluentes filosóficos, históricos, sociológicos, mas atento aos aspectos empíricos, às experiências concretas, à vertente “materialista” da Comunicação. Pereira está ciente do matiz complexo e pluralista do objeto de estudo. Logo, guarnecido de envergadura epistemológica multidisciplinar, contempla as tecnologias da infocomunicação digital com base nos contributos das ciências sociais, ciências humanas, ciências duras e ciências naturais.
Sua leitura é sedutora desde o princípio, através dos provocantes títulos nos capítulos da Primeira Parte, nomeada “Modulações do Cenário Midiático-Comunicacional Contemporâneo”: Cap. 1 “Dissolução das Mídias, a aldeia e a teia global”; e Cap. 2 “A Era Pós-Mídia” e a lógica dos arranjos midiáticos. Entretenimento, Design, informação e algoritmos (A-M-E-D-I-A). O autor já introduz ali astuciosamente uma gramática que vai enfrentar a normatividade publicitária do conceito de “mídia”, a retórica do marketing acadêmico em termos como “Idade Mídia” e o fetiche do senso-comum siderado no slogan “hipermídia”.
Para Vinícius, a mídia não desapareceu evidentemente, mas a órbita dos fenômenos midiáticos se transformou. Seu insight-sigla-conceitual “A-M-E-D-I-A” designa “Arranjos Midiáticos, Entretenimento, Design, Informação e Algoritmo”. 
Enquanto vocábulo, A-M-E-D-I-A emana um paradoxo (à maneira de McLuhan), pois refere o caráter de superlatividade da “MIDIA”, mas o (“A”) atua também como prefixo negativo, irradiando ironicamente o sentido de um “cancelamento”. A sua fina ironia reside em tratar a MIDIA, reconhecendo a efetividade de sua influência no imaginário tecnológico atual. Todavia, remete a uma “crítica” da concepção que se limita ao exame das linguagens dos meios (fotografia, rádio, televisão), cujos “modos de existência” têm sido transtornados desde os anos 90 pelos novos “arranjos midiáticos”.
Como fiel estudioso da Escola de Toronto, honra o legado do grande arcano McLuhan, resgatando a célebre expressão “o meio é a mensagem”, e mostra adequação e originalidade no uso que faz do termo para referir “o conjunto de relações materiais do meio com os corpos e mentes dos usuários”. 
O autor inova na ressignificação da trama dos media studies ao articular sua argumentação acerca das “dinâmicas perceptivas, mnêmicas, cognitivas, regimes de atenção e modulações sensoriais nas suas relações com as tecnologias midiáticas”. Tais instâncias que vão atualizar a mirada epistemológica de sua obra anterior, “Estendendo McLuhan: da aldeia global à teia global” (2011), focando a interface mídia e memória.
O livro se ocupa em explorar a suposta “dissolução das mídias”, por meio da metáfora das “mídias mortas” (Sterling), num projeto arqueológico que passa por autores como Zielinski, Kittler e o próprio McLuhan, buscando iluminar o estado da arte da midiatização atual, em que dispositivos como o celular geram afetações sobre os corpos. De maneira similar empenha-se em demonstrar a passagem da “aldeia global” à teia global” (algo já explorado no livro anterior), mas enfatizando os envolvimentos neuro-sensoriais propiciados pelas combinações midiáticas, em tempo das “Big-Tech”, Facebook, Whatsapp, Uber e Airbnb. O trabalho, assim, ressalta os arranjos e combinações gerados pelas conexões materiais entre os dispositivos: PC-SmartTV, rádio-pendrive-celular, celular-tablet-tela de TV com efeitos mentais desconcertantes. Isto é, em sua metodologia, o foco se desloca das mídias para os modos de acoplamento midiático.
Observando a inserção dos novos fenômenos na esfera cotidiana, destaca a gramática do entretenimento que se impõe como expressão cultural, como envolvimento emocional, lúdico, intuitivo, multissensorial, atuando sobre a educação, comunicação mercadológica, marketing político, religiosidade, etc.
Igualmente, acentua o novo design no processo de midiatização em que arte e técnica se conjugam (Flusser), forjando uma nova forma cultural e renovação do repertório cognitivo. E, desvela a mescla entre informação e algoritmo - ecos da cibernética (Norbert Wiener) e da teoria da informação (Shannon-Weaver). Nessa perspectiva, programar é produzir algoritmos para alimentar as máquinas com códigos digitais. Desnuda – deste modo – a ação das Big Data, mostrando como os dados advêm da conexão dos dispositivos (smart-phone, tablets, 4G, redes de banda larga. Operação gerada pelas ferramentas de captura e análise de dados (cookies) e webcrawlers (rastreadores), com repercussões na sensibilidade política e mercadológica dos cidadãos e grupos sociais.
No âmbito do jornalismo, estas combinações midiáticas ajudam nos métodos de fazer pautas, leituras dos fatos, econômicos, análises gerais. Tem-se aí um material valioso para as empresas de olho nos padrões de comportamento, vendas, exposição de marcas, eleições, ativismo, crimes, publicização de pessoas e carros. Pereira demonstra que as Big Data se beneficiam dos rastros deixados nas conversações, páginas curtidas, mensagens trocadas, links clicados, fotos, textos e compras.

*Dr. em Ciências Sociais pela Sorbonne e professor da UFPB


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895