Mudanças na indústria norte-americana de entretenimento

Mudanças na indústria norte-americana de entretenimento

O Caderno de Sábado entrevistou Isabela Levin, que atua na área de cinema e séries nos EUA. Ela 
dá sua visão sobre as transformações deste mercado como o avanço do streaming

Adriana Androvandi

Isabela: "Nosso próximo filme é o “The Adam Project”, com o Ryan Reynolds e dirigido por Shawn Levy, que será lançado na Netflix"

publicidade

Formada em Propaganda e Marketing pela ESPM-RJ, Isabela Levin trabalha na indústria do entretenimento desde 2012. Atuou como gerente de projeto em uma das maiores produtoras independentes do Brasil, a Conspiração Filmes, e em 2015 se mudou para Los Angeles para estudar a indústria americana de cinema na UCLA. Conquistou uma pós-graduação em Business e Administração de empresas em 2018 e trabalhou em produtoras e distribuidoras de filmes independentes, lançados com boa repercussão no circuito exibidor americano. Hoje trabalha na Skydance, uma das maiores criadoras de conteúdo de Hollywood, presente no mercado desde 2006, sendo responsável por grandes franquias como "Missão Impossível", "Exterminador do Futuro" e Jack Reacher e famosas séries de TV, como "Grace & Frankie" e "Foundation".

Isabela Levin trabalha na Sky Dance, produtora de grandes franquias. Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / CP

CS - Como foi a tua trajetória para começar a trabalhar na indústria do entretenimento na Califórnia, que é o sonho de muitos profissionais que almejam ingressar na área. Podes nos contar o que consideras o teu diferencial?
Isabela Levin -
Mudei para a Califórnia a princípio para estudar, mas como grande fã de entretenimento, sempre tive o sonho de construir minha carreira em Hollywood. Tive que aceitar dar alguns passos para trás para recomeçar minha carreira aqui. No Brasil, trabalhava como gerente de projeto na Conspiração Filmes, importante produtora nacional, mas por conta de burocracias de visto, para trabalhar aqui tive que recomeçar como estagiária e voltar a ter responsabilidades que há muitos anos não tinha. Foi bem desafiador, mas acredito que minha experiência de trabalho no Brasil tenha me dado o diferencial que eu precisava para me destacar. Segui com muita dedicação e maturidade para entender que tudo fazia parte do processo, e pouco a pouco fui subindo os degraus. Nunca deixei a ideia de recomeçar do zero me abalar muito, pois estava muito encantada de estar trabalhando para e perto de pessoas tão importantes no mercado de cinema americano. Consegui fazer os contatos necessários aqui para construir um círculo importante. Sempre me mostrei muito interessada pela área, assisto e leio tudo que aparece pela frente. Sempre achei importante saber seguir os movimentos da indústria, conhecer os players, entender como o sistema funciona. E também passar por áreas diferentes para saber avaliar o mecanismo de todos os ângulos.

CS - Podes nos relatar um pouco sobre o teu trabalho, em que projetos está trabalhando atualmente e a previsão de quando poderemos vê-los?
Isabela -
Hoje em dia trabalho diretamente para Dana Goldberg na Skydance, como seu braço direito. Dana foi eleita uma das mulheres mais influentes do entretenimento pelo Hollywood Reporter ano passado. Como a pessoa responsável pelo criativo dos departamentos de filme, TV e animação, tudo passa por ela e sua mesa, e consequentemente por mim. Meu trabalho é dar toda a assistência e suporte de diferentes formas. Ajudo desde agendamento de reuniões com parceiros internos e externos a lendo materiais, roteiros e tratamentos e colaborando com meus comentários para desenvolvermos os melhores projetos possíveis. Tem o lado burocrático, mas também o criativo. A Skydance é uma empresa que está consolidada no mercado há anos e tem bastante projetos no forno. Não paramos nunca. Estamos com algumas séries em produção e várias séries e filmes em desenvolvimento. Acabamos de lançar “Reacher”, uma série de sucesso na Amazon Prime e que já foi renovada para a segunda temporada, assim como a nossa série “Foundation”, na Apple+. A última temporada de “Grace & Frankie” já foi filmada e será lançada ainda este ano na Netflix. Nosso próximo filme é o “The Adam Project” (foto acima), com o Ryan Reynolds e dirigido por Shawn Levy, o mesmo que o dirigiu em “Free Guy - Assumindo o Controle”. Será lançado na Netflix e temos certeza que o público vai amar. E claro, finalmente conseguiremos lançar a esperada sequência de “Top Gun” em cinemas em maio deste ano, depois de alguns atrasos por conta da pandemia. O filme é excelente e vai valer a espera. Muita coisa boa vindo.

CS - Com a pandemia e a necessidade de isolamento, cinemas fecharam e o streaming ganhou ainda mais força. Após um período, os cinemas reabriram. Quais as estratégias da indústria do cinema para se manter nesse cenário? As sequências ou continuações de franquias de sucesso são uma delas?
Isabela -
Sem dúvida a pandemia acelerou um movimento que havia começado antes e as plataformas de streaming conquistaram sua parte no mercado. Se já era difícil convencer as pessoas a irem ao cinema, agora a oferta em casa é tão grande, e por um custo tão mais baixo, que esse movimento se tornou ainda mais desafiador. Até os próprios exibidores precisam de mais convencimento hoje em dia, pois os custos de exibição são altos para o retorno de bilheteria de filmes independentes e pequenos. A vantagem do cinema continua, as grandes telas e os sistemas de som sempre farão com que a experiência no cinema seja melhor do que em casa, mas naturalmente houve uma reavaliação sobre os filmes que têm maiores chances de atraírem o grande público. A Skydance teve que mudar muitos planos de última hora. Lançamos dois filmes direto em streaming durante a pandemia que inicialmente iam para o cinema, “The Old Guard” e “A Guerra do Amanhã”. Ambos tiveram um altíssimo número de exibições em casa e já estamos desenvolvendo suas sequências, pois já temos um público garantido. Se isso funciona para streaming, para cinema essa garantia e fidelização do público é ainda mais importante. Franquias e sequências vem com a vantagem de oferecer um universo já conhecido, e por isso um interesse prévio do público. Além disso, para valer o dinheiro gasto em ingresso, estacionamento e pipoca, é natural que muitos pensem que quanto maior o filme, maior será o aproveitamento.

CS - A lista de indicados ao Oscar foi divulgada e filmes produzidos por plataformas de streaming, como Netflix, estão competindo de igual para igual com filmes feitos para o cinema. Esta é uma conquista das empresas de streaming e um passo sem volta? 
Isabela -
Esse assunto gera bastante controvérsia, já que há muito cineasta abertamente contra o movimento para streaming. Mas aí vem Martin Scorsese e traz nomes importantíssimos para a Netflix em seu elenco, e não há como negar que o caminho seja sem volta. Onde mais Scorsese conseguiria fazer um filme de quase 4 horas? Poucos exibidores iriam aceitar, pois o número de exibições e o retorno seriam bem menores. Muitos diretores sonhavam com essa liberdade criativa e financeira que o streaming proporciona. E muitos mais olhos em seus filmes. Por mais que eu seja uma grande torcedora para que filmes e público continuem indo aos cinemas, a verdade é que o streaming está ajudando a salvar a indústria. As plataformas estão dando oportunidade para muito conteúdo ser acessado por mais pessoas, e com isso gerando muitas oportunidades de trabalho. Não acredito que o poder das plataformas de streaming deva ser medido pelo número de indicações ao Oscar, pois a verdade é que elas investem muitos dólares em campanhas de marketing direcionadas para essas premiações. Isso não diminui seus méritos, mas as indicações são resultado de muito mais do que simplesmente qualidade. O buzz é um grande fator, por exemplo. Sem contar que plataformas de streaming lançam ao ano muito mais filmes do que estúdios lançam em cinemas. Suas chances são maiores, consequentemente. As plataformas de streaming tem muito mais flexibilidade nos tipos de conteúdos em que irão investir, pois seus públicos são mais diversificados, o que lhes dá bastante força para continuar ganhando espaço e crescendo.

CS - Quais as novidades do setor que te chamam a atenção na indústria norte-americana e podem se tornar tendência para demais mercados?
Isabela -
A indústria do entretenimento sempre passou por mudanças. Mas se o longo período de pandemia mostrou alguma coisa, foi o quanto as pessoas precisam de eventos sociais, e o quanto eles fizeram falta quando a opção nem existia. O cinema é uma experiência, assim como shows, peças de teatro e várias outras formas de entretenimento. Elas servem para isso, para entreter. Quantas pessoas não se reuniam com os amigos aos domingos para assistir novos episódios de “Game of Thrones”? Para a indústria norte-americana, tem sido importante promover esse movimento, principalmente agora que há uma luz no fim do túnel. Houve um medo muito grande durante a quarentena com as produções paradas de que a indústria nunca ganharia força novamente. Mas o sucesso de bilheteria do último “Homem-Aranha” mostra que ainda há sede, e muita, por parte do público de se reunir para assistir o que pode lhes proporcionar diversão. Depois de uma época tão difícil, as pessoas buscam por leveza e distrações.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895