Por que escrevi 'Tiaraju'

Por que escrevi 'Tiaraju'

(Re)encontrei-me com algumas crônicas de Manoelito de Ornellas em um entardecer de domingo

Maria Alice Braga *

Manoelito de Ornellas assinando livros

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(Re)encontrei-me com algumas crônicas de Manoelito de Ornellas em um entardecer de domingo, quando resolvi organizar meus livros nas estantes. No momento em que fixei o olhar na pasta com um volume de cópias de páginas do jornal Correio do Povo, “Prosa das Terças”, coluna reservada ao escritor por mais de duas décadas, a primeira folha que caiu na minha frente foi “Por que escrevi ‘Tiaraju’”, escrita no dia 1º de fevereiro de 1949, há exatamente 74 anos. No mesmo instante, fui tomada pela urgência da lembrança.

Manoelito de Ornellas, escritor e poeta itaquiense, nasceu no dia 17 de fevereiro de 1903 e, neste ano, comemoramos 120 anos de nascimento do intelectual que levou a cultura sul-rio-grandense para além das fronteiras do Rio Grande do Sul. Então, para que sua obra e sua imagem sejam lembradas, quero voltar à motivação que levou o escritor a escrever um dos mais aclamados romances rio-grandenses, “Tiaraju”. 

Na referida crônica da coluna “Prosa das Terças”, Manoelito destaca que, ao ser indagado por amigos por que escrevera o romance histórico “Tiaraju”, o escritor, prontamente respondera, recuperando as palavras do poeta espanhol, Frederico García Lorca, ao ser entrevistado: “Não creio em fronteiras políticas. Sou um homem do mundo e irmão de todos os homens.” Com esse pensamento, Ornellas afirmou que o ser humano domina pelo espírito a paisagem do mundo para melhor sentir os dramas humanos nessa solidariedade que transcende os limites territoriais. No entanto, afirmou o cronista, pelo complexo cultural, estamos presos à tradição do meio, à terra que oferece aos nossos olhos as primeiras visões da beleza. 

Manoelito continua sua tese a respeito de “Tiaraju”, destacando que nada é mais odioso do que o comportamento das pessoas que se julgam superiores aos outros povos, pretendendo, com tais atitudes, uma hegemonia racial e política. 

O nacionalismo desprovido de pruridos bélicos, resultado da comunhão do ser humano com a terra e da identificação pelos costumes, pela língua e pela história, é o nacionalismo construtivo, que proporciona, à humanidade, obras admiráveis da literatura e das artes em geral. 

Ao escrever “Tiaraju”, Manoelito de Ornellas pretendeu preservar do esquecimento e da morte um soberbo patrimônio, que é o nosso passado, a nossa história primeva. “Tiaraju” recupera um acervo rico de figuras e fatos que dariam orgulho às civilizações mais avançadas, pois, como o escritor referiu, não é possível fazer uma literatura divorciada da influência telúrica, porque importantes obras carregam o sinal da terra.

Para responder à pergunta do título, “Por que escrevi ‘Tiaraju’”, o escritor afirma que, a partir de um olhar à história pregressa que assinala os feitos daqueles que lutaram pelas terras sulinas, seu espírito poético decidiu, então, escrever o episódio missioneiro de Sepé Tiaraju. E o livro emergiu, fácil e fluente. 

A crítica nem sempre foi favorável ao romance, mas Ornellas sustenta que, apesar da crise social da época, ele imprimiu um tom lírico ao episódio do Rio Grande, distante e quase selvagem, com a certeza de que em nenhuma circunstância o espírito é impedido de, em meio ao fragor das tempestades, voltar-se à serenidade das paisagens dos sonhos e da beleza. Apesar das misérias humanas, o poeta encontra, na dura realidade, frestas para a fantasia. 

“Tiaraju” é, assim, uma história contada à maneira dos velhos rapsodos. Pode ser uma novela, um poema... Na verdade, é um livro que pretende atualizar, às novas gerações, a figura heroica de um filho legítimo do Rio Grande, morto em defesa da gleba. Tiaraju é um homem e um símbolo, saídos da vida real para enfrentar o invasor que violentara com suas armas o sagrado chão nativo. “Tiaraju” é isso, um livro de amor à terra do Rio Grande.

* A autora é Doutora em Letras

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895