Lições do Caribe

Lições do Caribe

Como na Nicarágua, tendo eleição futura como alvo, também há um avanço da censura, da restrição a liberdades fundamentais, com um silêncio cúmplice de quem deveria defender as liberdades

Alexandre Garcia

Daniel Ortega ao lado de um mariachi

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O líder da revolução sandinista, Daniel Ortega, foi eleito domingo, mais uma vez, presidente da Nicarágua, com 75% dos votos. O segundo em votos teve 14% e é um seu colaborador. Outros quatro candidatos ficaram com menos de 4%. A mulher de Ortega, Rosario, que ele chama de copresidenta, também foi reeleita vice-presidente. Sete candidatos da verdadeira oposição estão presos. A que detinha a preferência popular, Cristina Chamorro, está em prisão domiciliar. Ela é filha de Violeta Chamorro, que foi presidente na Nicarágua, depois de 11 anos do período pós-revolução de Ortega. Ele voltou 14 anos, totalizando 25. E vai para mais cinco, com 76 anos de idade. Pelos últimos três anos, ele fez leis de censura e criminalização da oposição. Milhares de nicaraguenses se exilaram nos Estados Unidos e na Costa Rica. Os três principais partidos de oposição foram extintos. A repressão foi legalizada.

É semelhante ao que acontece em outros países banhados pelo Mar do Caribe: em Cuba, por mais de 60 anos; na Venezuela, por quase 20 anos. É uma ideologia que exige totalitarismo para se manter no poder, com censura e sem liberdades fundamentais, fingindo eleições e dominando o Legislativo e o Judiciário. Sistema que por aqui é aplaudido pelos que se sentiram no vazio ao perderem a matriz soviética. No Brasil ainda tivemos a sorte de o fisiologismo ter prevalecido sobre a ideologia enquanto estavam no poder. A ideologia apenas serviu de rótulo fantasia, para atrair idealistas em busca da utopia, mas a apropriação do Estado e de suas empresas é que foi a essência, para sustentar os instrumentos de manutenção do poder. Depois de anos de desfrute da apropriação, veio uma revolução do voto na eleição presidencial de 2018, que fechou os ralos e torneiras do Estado.

Estamos a menos de um ano de novas eleições. Tal como na Nicarágua de Ortega, nesses últimos anos, a estrutura plantada em tempos de dominação do Estado por partido político, trabalha dentro e fora dos três poderes, para reagir aos novos tempos, tentando evitar que sejam confirmados nas urnas. A volta ao passado para muitos é uma questão de sobrevivência; para outros, manutenção de privilégios; para alguns, vindita da derrota de 2018; outros mais, por ideologia. A CPI foi o divã catártico que revelou esse movimento reacionário.

Temos uma amostra no continente latino-americano do padrão desses regimes. No Brasil, tivemos a experiência da corrupção institucionalizada – sem ela, apareceu dinheiro para socorrer estados, municípios e milhões de brasileiros que perderam a renda para a campanha do “fecha tudo”. Como na Nicarágua, tendo eleição futura como alvo, também há um avanço da censura, da restrição a liberdades fundamentais, com um silêncio cúmplice de quem deveria defender as liberdades. Na Alemanha, os judeus foram sendo tolhidos de liberdade, enquanto pensavam que seria a última vez. A última vez foi quando foram postos em trens para os campos de extermínio. E a democracia se esvai quando se repetem, como teste, supressões a direitos fundamentais, para calar e impor.


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