A derrota de Marchezan e a preguiça da direita

A derrota de Marchezan e a preguiça da direita

Se por medo do coronavírus, preguiça ou por simplesmente optar pela praia, a realidade nos mostra que a direita se acomodou

Guilherme Baumhardt

Partido terá assegurado o direito ao acesso a rádio e televisão na proporção de sua bancada eleita

publicidade

Porto Alegre tomou algumas decisões no último domingo. A primeira delas: não está disposta a comprar mais quatro anos do atual prefeito. Nelson Marchezan Jr. conseguiu uma proeza. Ser seu maior cabo eleitoral e, ao mesmo tempo, seu maior algoz. Fez reformas importantes e não deu bola para corporativismos, especialmente de categorias do funcionalismo público. Sebastião Melo e Manuela D’Ávila assumirão, certamente, uma prefeitura melhor do que a que Marchezan recebeu.

Mas o mesmo sujeito que fez ouvidos moucos para a pressão de sindicatos, também não escutou o que o Marchezan candidato disse durante a campanha de 2016. Na contramão das promessas e intenções, Marchezan resolveu enfiar a faca no contribuinte da cidade. Isentou o Imposto Predial e Territorial Urbano de alguns, mas aumentou e muito a carga sobre o restante da cidade, principalmente sobre imóveis comerciais. Ou seja: não adianta não cobrar imposto da casa ou do apartamento se todos nós, pobres ou ricos, pagaremos mais para comprar pão ou levar o carro à oficina.

O comportamento errático na pandemia também evidenciou uma postura pouco disposta ao diálogo. Com uma caneta poderosa, passou a governar por decretos. Não faltaram críticas à falta de construções conjuntas durante a pandemia, especialmente com setores da economia que foram fundamentais para a vitória dele, em 2016. No caso da Câmara de Vereadores, há um preço caro a ser pago, especialmente por Sebastião Melo, caso seja eleito.

Conversando com o vereador Felipe Camozzato, reeleito pelo partido Novo, fica claro que uma parcela da população facilmente identificável não compareceu às urnas no domingo (a abstenção em Porto Alegre foi considerada recorde). Refiro-me ao morador de bairros tradicionalmente mais à direita ou de centro-direita. Se o fato permite imaginar que Sebastião Melo tem um manancial de votos a ser explorado e que não votou no último dia 15, trata-se também de um eleitor que, tendo preferência pelo emedebista, relegou a ele uma Câmara de Vereadores muito mais hostil a reformas do que ela poderia ser, caso ele seja eleito.

Se por medo do coronavírus, preguiça ou por simplesmente optar pela praia, a realidade nos mostra que a direita se acomodou. E, enquanto isso, três partidos de esquerda – PT, PCdoB e PSOL – se organizaram e construíram um bloco que não precisa de muito mais força para barrar reformas que exijam dois terços do legislativo municipal. É um fato que não coloca por terra uma revisão profunda e menos rançosa do plano diretor, por exemplo, que demanda maioria simples, mas sepulta a ideia de colocar fim às licenças-prêmio do funcionalismo. A Porto Alegre que sai das urnas até aqui é bastante errática. Não quer Marchezan novamente, mas não pretende dar uma guinada à esquerda. Melo ficou à frente de Manuela já no primeiro turno e deve herdar a grande maioria dos votos tucanos. Ao mesmo tempo, a esquerda mostrou mais organização e forma um bloco de vereadores mais homogêneo, que fará barulho – como sempre – caso se transforme em oposição em um eventual governo Melo. Como sempre, somos fruto das nossas escolhas. Dentro do sistema de pesos e contrapesos, é o que se desenha para a capital do Rio Grande do Sul para os próximos quatro anos.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895