A imprensa que pede controle

A imprensa que pede controle

Há uma clara intenção no Brasil e no mundo hoje de enjaular opiniões divergentes

Guilherme Baumhardt

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O Brasil inaugurou a era em que empresas de comunicação parecem clamar por controle. E pior, controle do que se diz, controle do que se fala. Absurdo, ridículo, patético. A Folha de S.Paulo – que um dia foi grande, mas hoje não passa de um arremedo jornalístico – estampou a seguinte manchete: “Telegram ignora decisão do STF sobre Bolsonaro há seis meses e expõe descontrole no Brasil”. E completou: “Serviço de comunicação é uma das preocupações das autoridades para a campanha eleitoral de 2022”.

A publicação presidencial a que o jornal faz referência veio após o vazamento de dados sigilosos de investigação sobre um ataque hacker à Justiça Eleitoral. O que disse Bolsonaro? O óbvio: “O sistema eleitoral foi invadido e, portanto, é violável”. A postagem citada acima é uma mentira? Não. Houve invasão? Sim. É algo que deveria acender a luz de alerta para além de mensagens presidenciais publicadas em redes sociais? Certamente. Aliás, o foco deveria ser este.

Quando você soma duas das expressões utilizadas pelo jornal a intenção fica mais clara. Ao falar em descontrole, a publicação expõe o que realmente deseja. A FSP quer controle? Quando apela para “autoridades” fica evidente de que lado ela está. Não se trata aqui de pregar o anarquismo, mas se há algo que faz parte da rotina jornalística na maior parte das nações desenvolvidas do planeta é justamente a liberdade plena, ao mesmo tempo em que há um distanciamento saudável das “autoridades”.

A própria FSP sabe qual o caminho e o destino para uma publicação errada ou irresponsável. O jornal foi condenado após fazer um grande alarde sobre publicações impulsionadas, em redes sociais, na eleição de 2018. Acionado na Justiça, perdeu. Até segunda ordem (ou segundo julgamento) há uma decisão: indenizar o empresário Luciano Hang, da Havan, apontado no texto da época como um dos empresários responsáveis pelos tais impulsionamentos.

Sim, Bolsonaro até hoje não apresentou provas contundentes de que houve fraude em eleições passadas, mas para isso existe caminho: um processo instaurado pela Polícia Federal ou Ministério Público Federal e depois julgado pelas cortes competentes. Se Bolsonaro ultrapassou a linha da lei neste caso, que seja investigado e até condenado por isso, mas não por dizer o óbvio, como na publicação que pretendem banir do Telegram.
Há uma clara intenção no Brasil e no mundo hoje – especialmente durante a pandemia – de enjaular opiniões divergentes, de cercear o debate, de limitar a discussão política. Claro, tudo travestido de ótimas intenções. Os argumentos passam pelo frágil “é preciso acabar com a polarização” até chegar ao não menos boboca “não há espaço para radicalismos”. Qual radicalismo? De qual lado? Ou o radicalismo de esquerda está permitido? Aos que não viram, José Dirceu disse recentemente e com todas as letras que pretende estabelecer no Brasil um regime socialista. Alô, Moraes! Acorda! Olha a ameaça à democracia aí! Ah, nesse caso pode.

Sobre controle, em especial da mídia e da imprensa, Dilma Rousseff foi categórica anos atrás, após ser confrontada pela proposta do PT de regular o trabalho jornalístico: “O único controle dos meios de comunicação deve ser o controle remoto”, em uma alusão direta à liberdade que o consumidor de notícias tem para trocar de canal, emissora de rádio ou deixar de assinar um jornal para comprar outro. Foi um dos raros momentos de sapiência de Dilma, famosa por construir frases desconexas e deixar o interlocutor atônito com suas ideias.

Quando até Dilma Rousseff ensina a Folha de S. Paulo um valor tão básico, de que não há controle melhor do que aquele exercido por quem consome a notícia, é porque a coisa vai de mal a pior.


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